Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Escrever bem tem muitas faces

Maior desafio da escrita é entrar em sintonia com o cérebro de quem lê

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A repercussão da última coluna, sobre o que chamei de "treta do bem" entre dois escritores brasileiros, me deixou com a impressão de que nosso entendimento acerca da arte de escrever anda padecendo de alguns mal-entendidos.

Nas redes sociais, a maioria dos comentários sobre o assunto se dividiu num Fla-Flu. Sim, esse é o destino de todas as discussões nas redes, nada de novo até aí.

Ocorre que esse Fla-Flu, ao separar os times por estilo —algo como Concisos F.C. contra A.A. Palavrosos—, não me parece capaz de levar o debate à fase mais avançada do campeonato.

Pelo menos em tese, quando se trata de literatura, é tão possível escrever bem com palavras medidas, cristalinas, quanto jorrando turvas catadupas que levem o leitor de arrasto.

Eis a pessoa que vai julgar, soberana, se um texto está bem escrito ou não: a leitora - Claudia Morales/Reuters

Nunca é demais lembrar que a concisão e a clareza têm e sempre terão, no jornalismo e em outros gêneros informativos, valor de ouro puro em nosso país bacharelesco e pernóstico.

Contudo, a arte feita com palavras é igual a toda arte: qualquer regra que se tente impor a ela de antemão corre o risco de ser desmoralizada pela obra. A melhor literatura cria à medida que é escrita as leis pelas quais exigirá ser lida.

É na leitura que um texto literário —seco ou derramado— vai mostrar se funciona lindamente, se dá para o gasto ou, o que é bastante frequente, se só fica parado ali, morto, as palavras apodrecendo.

Nesse sentido eu defendo, contra alguns teóricos e seus repetidores, que "escrever bem" existe, sim, embora nada tenha a ver com beletrismo nem possa ser prescrito como fórmula.

A ideia de que escrever bem é escrever conforme um estilo ou gosto ideologicamente imposto não resiste ao exame da história: esses aspectos vêm sendo achincalhados há pelo menos um século por gente que escreve muito bem escrevendo "mal".

Escrever bem se enraíza em primeiro lugar na página, na tapeçaria vaporosa de sonoridades e sentidos, ritmos e silêncios, vírgulas e parágrafos, tecida por palavras em caravana.

Com todas as suas imperfeições, a palavra escrita é a melhor tecnologia de traduzir pensamento, pelo qual faz aquilo que a notação na partitura faz pela música.

Escrever bem é tirar o máximo proveito da sua capacidade de entrar em sintonia com o cérebro —e portanto com a imaginação— de quem lê.

Eis afinal a pessoa que vai julgar, soberana, se um texto está bem escrito ou não: a leitora —para fazer justiça ao gênero que concentra a maior parte de quem leva a literatura a sério no mundo.

Como as leitoras são múltiplas e diversas, é natural que múltiplas e diversas sejam as frequências em que se dá a sintonia dos textos com suas ondas cerebrais.

Por isso não faz sentido, fora do âmbito do gosto pessoal, discutir estilo, mas faz sentido discutir técnica: muita coisa pode interferir nessa sintonia.

"O escritor é uma pessoa que, mais do que qualquer outra, tem dificuldade para escrever", disse Thomas Mann. O que pode parecer só uma tirada engraçadinha se revela, pensando bem, uma verdade profunda.

Como precisam levar em conta a dimensão estética da linguagem para criar aquilo que não tem existência fora dela, escritores inventam problemas para si mesmos.

Tornam-se caçadores neuróticos de clichês, ecos indesejáveis, rebarbas, banalidade, imprecisão, redundância, sentimentalismo.

Tudo aquilo que as palavras, criaturas sociais, mundanas e rodadas, têm de sobra, mas na linguagem comum ninguém liga muito.

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