Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu clima

Clima de prisão para Bolsonaro

Chova ou faça sol, pintou o ambiente ideal para encarcerar o ex-presidente

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"Não existe clima para prender Bolsonaro." Esgotados os caminhos jurídicos –pelo menos os não risíveis– para a defesa do ex-presidente, a frase começou a circular nos últimos dias feito cão sem dono, farejando traseiros em busca de encaixes. Vai que cola: não é inegável a vocação da elite brasileira para a acochambração?

Mas como assim –"não existe clima"? Desde quando o cumprimento da lei se subordina a condições atmosféricas? E como esse clima figurado se relaciona com o clima propriamente dito, aquele que tornou infernal o verão encerrado agora e que, à beira de um colapso, ameaça a continuidade da civilização humana como a conhecemos?

Para entender melhor o que significa a tentativa climatológica de livrar da cadeia o criminoso mais lambão da história política brasileira, apanhado com a mão metida em todas as cumbucas, vale recuar até a Grécia antiga a fim de acompanhar a trajetória da palavra "klíma", um vocábulo de vasta prole.

Os gregos antigos não eram grandes climatologistas –nem mesmo pequenos, pois a climatologia ainda levaria séculos para nascer. No entanto, seu termo "klíma", que na origem queria dizer "inclinação, declive", ia se tornar um poderoso cabeça de chave etimológico.

De que inclinação se tratava? Segundo se acreditava então, a superfície terrestre descrevia um declive do equador aos polos, afastando-se progressivamente do Sol, e todas as variações de condição atmosférica encontradas no mundo eram explicadas assim. O que estava evidentemente errado, mas só pela metade.

Desenho no Museu da Cultura Solar mostra localização da linha do Equador - Antônio Gaudério/Folhapress

Na divisão do planeta em faixas paralelas que aqueles primeiros geógrafos elaboraram, correspondentes às nossas latitudes, cada faixa era um "klíma", um degrau. Foi com esse sentido que a palavra chegou ao latim e dali, na Idade Média, ao francês "climat", de onde se espalhou para outras línguas românicas e para o inglês.

Segundo o Merriam-Webster etimológico, foi de Shakespeare –na peça "Henrique V", de fins do século 16– um dos primeiros usos registrados da palavra (no caso, "climate") em seu sentido moderno, não mais o de latitude mas o de "conjunto de condições meteorológicas".

Curiosamente, o termo aparece na boca de um personagem francês que deplora o clima da Inglaterra, chamando-o de "nevoento, frio e maçante".

Só no século 19 começaria a surgir, em várias línguas ao mesmo tempo, o uso metafórico de clima como ambiente psicossocial, atmosfera moral: "Passada a crise econômica, o clima no país era de otimismo".

Surgiu também, em especialização maior, a acepção de "ambiente favorável", como na frase ali de cima: "Não existe clima para prender Bolsonaro". E por que não? Porque ele teria milhões de votos se elegível fosse? Isso o Lula também tinha.

Clima pinta, ué. Claro que nesse caso a palavra não tem nada a ver com meteorologia e lembra mais outro uso de grande sucesso no Brasil, aquele em que significa "ambiente favorável para um encontro amoroso" (definição do Houaiss).

Exatamente o uso que fez Bolsonaro ao dizer, na última campanha eleitoral, que "pintou um clima" entre ele e umas adolescentes venezuelanas "bonitas, arrumadinhas" que encontrara em Brasília quando passeava de moto, acreditando tratar-se de profissionais do sexo.

Se clima é uma coisa que pode pintar assim, até em pântanos de ilegalidade latente e imoralidade explícita, seria um crime se a lei não entrasse no clima quando a Justiça mais precisa.

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