Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Centrão ainda é palavra pejorativa

Perfume que ministro do Turismo borrifa na linguagem não muda a história

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Não é comum encontrar uma tentativa tão cândida de reciclar o sentido de uma palavra e borrifar perfume na linguagem quanto a do novo ministro do Turismo em entrevista publicada nesta quarta-feira (19) pela Folha.

Celso Sabino (União Brasil-PA) disse aos repórteres Thiago Resende e Victoria Azevedo que "antigamente se falava no centrão como uma coisa pejorativa. Agora o centrão já está virando uma coisa positiva".

Essa suposta mudança se deveria, segundo ele, à virtude da "ponderação". Explicou: "Não busco os extremos, mas quero fazer aquilo que seja o melhor para o nosso país, políticas sociais que são importantes para o Brasil".

O ministro do Turismo, Celso Sabino, posa para foto em seu gabinete em Brasília (DF)
O ministro do Turismo, Celso Sabino, em seu gabinete em Brasília (DF) - Gabriela Biló - 18.jul.23/Folhapress

É claro que a palavra centrão continua tendo tanta carga pejorativa quanto sempre teve. Aliado do presidente da Câmara e líder do grupo, Arthur Lira (PP-AL), o ministro do Turismo embaralha de propósito as fichas semânticas dos substantivos centro e centrão, que são muito diferentes.

O nome centrão surgiu nos anos 1980 durante os debates da Constituinte, no governo de José Sarney. Desde então tem sido usado para designar um grupo de parlamentares que pode ou não ser de centro, no sentido político clássico.

Isso acaba importando pouco porque a característica principal desses políticos é não terem perfil político-ideológico muito claro, embora tendam ao conservadorismo. Essa consistência pastosa os deixa sempre prontos a aderir sem corar a qualquer governo — qualquer governo mesmo — em troca de verbas, cargos, vantagens, influência, poder.

É isso que o grupo está fazendo mais uma vez no terceiro mandato de Lula, um político de centro-esquerda com quem negocia espaços em troca de viabilidade legislativa — o que explica, evidentemente, a nomeação do próprio Sabino.

É isso também que o centrão fez no infausto governo de Jair Bolsonaro, um político de extrema direita de quem recebeu um checão em branco chamado orçamento secreto. Eis a tal "ponderação" do grupo, sua dedicação a "fazer aquilo que seja o melhor para o nosso país".

Não se deve concluir daí que tudo esteja exatamente onde sempre esteve. Como observou o cientista político Sérgio Abranches em artigo do mês passado, as relações de força da governabilidade, que entraram em crise nos últimos anos, estão sendo repactuadas neste momento.

Contudo, destaca Abranches, sob essas mudanças nosso modelo continua a ser o "presidencialismo de coalizão" (expressão cunhada por ele). O bloco hoje liderado por Lira é fruto de um sistema em que "a relação entre o voto presidencial e o voto para deputados é tênue, dada a diferença entre os colégios eleitorais, nacional para os presidentes e estadual para parlamentares".

Os beneficiados por — ou pelo menos conformados com — tal modelo gostam de dizer que sem o centrão seria impossível governar o Brasil. Entende-se, mas vamos combinar que com ele também não tem sido possível governar muito bem.

Seja como for, entre negociar pragmaticamente com o centrão e acreditar que ele se tornou uma agremiação de donzelas republicanas virtuosas vai uma distância mais que suficiente para fazer da declaração do ministro do Turismo matéria de comédia.

Afinal, embora seja, já no nome, o oposto do extremo, uma espécie de "normalidade" à moda brasileira, o centrão padece claramente de pelo menos um tipo de excesso — o excesso de desfaçatez para explorar como parasita as fragilidades do nosso modelo político.

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