É consultor de comunicação. Foi editor de "Dinheiro" e "Mundo".
Comissões de verdade
A Comissão Nacional da Verdade prestou bom serviço ao investigar, produzir e consolidar conhecimento sobre as graves violações aos direitos humanos durante a ditadura militar brasileira. Conhecer e reconhecer o mal é uma das melhores maneiras de contê-lo, e as Forças Armadas deveriam pedir desculpas pelos crimes cometidos, mesmo que anistiados.
Mas a pergunta que não deve calar é: por que tanto empenho em investigar as mortes de cerca de 500 pessoas e as torturas de outras muitas, imperdoáveis e inesquecíveis, e nenhum empenho em investigar milhares de mortes e torturas que acontecem de forma epidêmica no Brasil em pleno século 21?
A própria Comissão da Verdade levanta essas questões, mas difícil acreditar que traga consequência. A ditadura passou, a democracia se estabeleceu, mas vivemos uma outra guerra suja e brutal que mata mais de 50 mil brasileiros por ano e tortura, em instalações oficiais, sabe-se lá quantos mais.
Vivemos um colapso da segurança pública no país, com o crime cada vez mais organizado e disseminado, e é como se ninguém tivesse culpa. A presidente Dilma passou a eleição inteira dizendo que esse problema era dos Estados, e o governo paulista chegou a comemorar a desaceleração de ocorrências criminosas em São Paulo –sim, comemorou o fato de os crimes estarem subindo com menos velocidade que no mês anterior.
O ministro da Justiça, Jose Eduardo Cardozo, disse em 2012 que preferia morrer a cumprir pena longa em cadeias brasileiras, que chamou corretamente de "escolas do crime", mas nada fez desde então para mudar essa barbárie, e novos criminosos seguem recebendo seus diplomas.
Tanto em São Paulo quanto no Rio, índices de criminalidade recrudescem. Em Estados do Nordeste, assassinatos tornaram-se epidêmicos. E, claro, a imensa maioria dos torturados e assassinados no Brasil é de pobres, muito menos protegidos que os ricos.
Um país que convive passivamente com esse nível de criminalidade e impunidade está longe do caminho do desenvolvimento. Especialistas de segurança falam em necessidade de mudar a legislação, as polícias, os presídios, mas nada de fato acontece.
Vários países do mundo já mostraram como é possível combater a violência com eficiência. Esse conhecimento acumulado de experiências efetivas combinado com o incremento espetacular de novas tecnologias nessa área indicam que é possível começar a vencer o crime.
Quem sabe agora que investigamos a fundo os crimes da ditadura militar do século passado, que mereciam essa lupa, teremos coragem de examinar com pelo menos a mesma profundidade os crimes cotidianos da democracia hoje e amanhã, tão imperdoáveis quanto aqueles e provocando muito mais vítimas.
Mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil dos anos 1980 para cá, e o número segue crescendo. Se isso não merece uma nova e urgente comissão da verdade, estamos perdidos.
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