Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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Silvio Almeida

Eu escrevo o que quero

Sou um homem negro, estudioso das relações raciais, mas não especialista em racismo

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O título deste meu primeiro texto para a Folha é uma das traduções possíveis do livro "I Write What I Like" que reúne artigos do jornalista e ativista político Steve Biko escritos entre 1969 e 1972.

Biko foi das mais proeminentes vozes da luta contra o regime do apartheid que formalmente vigorou na África do Sul entre os anos de 1948 a 1994. Biko foi preso, torturado e brutalmente assassinado pelo governo sul-africano, mas sua trajetória de vida e seus escritos serviram de inspiração não apenas para a resistência contra o apartheid, mas para a luta anticolonial e antirracista em todo o mundo.

Na coletânea de textos, Biko nos apresenta a definição de "consciência negra". Basicamente, a consciência negra é uma nova forma de inscrição da condição de ser negro no mundo. "É uma atitude da mente e um modo de vida", diz.

A consciência negra, portanto, é entender que muito do que pensamos e a forma com que agimos é resultado de séculos de uma violência naturalizada, e uma mudança depende de transformações políticas efetivas. No fim das contas, Biko —que fora proibido de escrever e de dar entrevistas pelo governo sul-africano— afirma que para uma pessoa negra, de modo especial, pensar, escrever e falar é um ato de libertação e, portanto, um ato político por excelência.

Aqueles que já me acompanhavam antes de minha chegada aqui na Folha sabem que um dos meus objetos de estudo são as relações raciais.

A questão racial é um tema absolutamente central no debate politico, como os últimos acontecimentos de relevo mundial têm demonstrado.

Por isso, tratar do racismo é pressuposto de uma análise científica da realidade política. Os desdobramentos da crise econômica global, a pandemia, os protestos mundiais em decorrência do assassinato de George Floyd e a contestação cada vez maior dos cânones da democracia liberal têm revelado a força e a importância do debate racial em uma dimensão ética, mas, sobretudo, em uma dimensão política.

É muito difícil esperar que as grandes questões contemporâneas da política, da economia e do direito sejam compreendidas sem uma análise sofisticada do racismo e suas consequências. Por sofisticação nos referimos a pensar o racismo em sua concepção estrutural, ou seja, como elemento constitutivo da economia, do direito, da política e da cultura.

Mas não esperem aqui encontrar um "especialista em racismo", até mesmo porque especialistas em racismo são os racistas; sou um homem negro, estudioso, sim, das relações raciais.

Mas minha formação é em direito, filosofia e política, temas cuja abordagem rigorosa só considero possível se a questão racial também for levada em consideração.

Nos últimos anos tenho lecionado no Brasil e no exterior filosofia e teoria geral do direito, além de teoria do Estado e pensamento social brasileiro. O cerne de minhas pesquisas gira em torno da relação entre crise, direito e Estado, de tal sorte que teremos muito a conversar em nossos próximos encontros.

Se falar e escrever —pensar, portanto— como ato político coloca-nos diante do conflito, do debate e do embate público, é também verdade que se nos abre a possibilidade de construção de alianças, de realização de projetos e de novos horizontes da vida social.

Minha disposição é que este espaço apresente outras formas de inscrição no mundo, que não nos aprisionem a certos temas do noticiário político e a formas mais ou menos "aceitáveis" de abordá-los. Por isso, escrever o que quero é ver a mim e a meus leitores e leitoras como seres completos em si mesmos, que, mais uma vez nas palavras de Steve Biko, não irão tolerar "quaisquer tentativas de diminuir o significado de sua dignidade".

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