Silvio Almeida

Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama.

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Sob o domínio do medo

Não existe democracia onde pessoas possam emitir opiniões com armas na cintura

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O primeiro passo para enfrentar uma situação difícil é admitir que a situação existe.

Então, para que que possamos dar este primeiro passo é preciso dizer com todas as letras que o Brasil não é uma democracia e nem uma República. Se um dia foi —e há bons argumentos para sustentar o contrário— hoje, definitivamente, não é mais.

Havia antes a ideia de que éramos uma "jovem democracia". Pois bem: essa "jovem" democracia morreu antes de chegar à fase adulta, como morrem os jovens nas periferias, na maioria negros, assassinados pelas tais "balas perdidas".

O presidente Jair Bolsonaro (PL) cercado por militares em evento - Gabriela Biló - 19.abr.22/Folhapress

Não pode ser considerado democrático um país em que pessoas com armas na cintura se sintam autorizados a participar do debate público.

Tornou-se normal no Brasil que militares emitam notas "criticando" políticos, membros do judiciário e até se posicionando sobre temas eleitorais. Isso deveria ser uma anomalia porque, em última instância, a arma na cintura torna a pretensa crítica uma ameaça, independentemente de qual seja a real intenção de quem emitiu a nota.

Por isso, em sociedades minimamente organizadas, militares são proibidos de opinar sobre política ou mesmo dela diretamente participar porque parte-se do pressuposto de que não é possível negociar em termos republicanos e democráticos com pessoas armadas.

Militares deveriam ser agentes de Estado e não de governo e essa é a diferença fundamental entre um exército e uma milícia. Nada há na Constituição Federal que dê às Forças Armadas a condição de "poder moderador" da República. E se houvesse algo do tipo poderíamos dizer sem subterfúgios que o Brasil não é um país democrático nem do ponto de vista formal, até porque culturalmente já sabemos que não é.

Tampouco cabe o papo furado de que nesse caso seria melhor que todos andassem armados. Isso é conversa de miliciano ou de quem está preso a algum mundo delirante de filmes de faroeste.

Quando pessoas armadas se sentem confortáveis, mesmo ao arrepio da lei, para "criticar" decisões judiciais ou matérias jornalísticas é porque passamos de todos os limites. E sem limites não há responsabilidade e sem responsabilidade não há nem democracia e nem republicanismo.

Precisamos admitir que não mais flertamos com o abismo, mas que dentro dele já estamos. Neste exato momento, com um presidente abertamente golpista e com os demais poderes capturados, perplexos ou coniventes não há como sustentar que vivemos em normalidade democrática ou sob um Estado de direito. Nossa única regra é a exceção e nossa política é baseada no medo.

O medo é um sentimento ambíguo, pois pode nos conduzir a duas posturas distintas. A primeira delas é a paralisia e a capitulação. Às vezes o medo é tanto que, para escaparmos de uma situação ruim, nos entregamos ainda mais a quem nos amedronta.

E é com isso que contam aqueles que nos ameaçam. Querem que vejamos neles a solução para os problemas que eles mesmos causam. Por isso é paradoxal suplicar às Forças Armadas para que sejam os fiadores da democracia e nos salvem de um golpe de Estado que só elas, Forças Armadas, poderiam de fato perpetrar. Isso é síndrome de Estocolmo, não democracia.

A segunda postura que se relaciona com o medo é a coragem. A coragem não está na ausência do medo, mas na disposição para enfrentá-lo. Falo aqui não de coragem apenas em termos morais, do tipo que pode empurrar indivíduos para o sacrifício individual.

Trato aqui da coragem como virtude cívica, que em termos aristotélicos se refere ao meio-termo entre o medo e a confiança, algo que se constrói no curso da ação política. Nesse contexto, todo ato de coragem é também um ato político de cuidado para com o país.

O Brasil está em cativeiro e sob tortura e nossa missão, ainda que diante do medo, é garantir que aqueles que nos amedrontam voltem para o lugar de onde nunca deveriam ter saído.

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