Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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O colchão é curto, e o estrago pode ser longo

Tesouro terá que captar quase 50% do PIB para bancar o déficit fiscal esperado

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A expansão fiscal este ano será de cerca de 12% do PIB, levando a dívida pública para perto de 100% do PIB. A piora das condições de mercado, o aumento dos prêmios de risco na curva de juros e a elevada desvalorização cambial são reflexos não apenas desta fotografia, mas da expectativa de que o filme não vai mudar.

Administrar a dívida pública em um quadro de elevada incerteza quanto à sustentabilidade fiscal é tarefa árdua. Os juros demandados pelo mercado para prazos mais longos estão bem longe da taxa Selic de 2%. Para títulos com vencimento em 2026 estão em 6,5%, e para aqueles com vencimento em 2031, em 7,20%.

O Tesouro prefere não sancionar essa realidade, rolando seus vencimentos com títulos de curto prazo. Um perfil de vencimento apertado pode dificultar a rolagem, elevar o risco e gerar uma dinâmica negativa a ponto de o Tesouro se ver obrigado a pagar ágio até mesmo para títulos de curtíssimo prazo. Outro fator desestabilizador ocorre quando a Selic é baixa como a atual: os títulos curtos atuam como quase-moeda, contribuindo para aumentar a volatilidade do câmbio. Os investidores podem sair rapidamente de suas posições em títulos e correr para o dólar.

Até o final do ano, há vencimentos de cerca de R$ 250 bilhões, e para os quatro primeiros meses de 2021 os vencimentos alcançam quase o dobro desse valor. Nos próximos 12 meses, o Tesouro terá que captar quase 50% do PIB para rolar sua dívida e bancar o déficit fiscal esperado. Não será possível contar com o “colchão de liquidez” ou caixa que o Tesouro detém para usar em condições adversas, pois este já foi usado nos últimos meses e deve estar perto do limite mínimo prudencial.

Surgem então propostas como a de usar os recursos que estão na conta do BC, derivadas do lucro contábil de nossas reservas internacionais, mitigando a necessidade de emissão de dívida pelo Tesouro.

O mecanismo remete à legislação que entrou em vigor ano passado, regulando a relação financeira entre o BC e o Tesouro. Desde então, o lucro do BC na administração das reservas internacionais passou a ser destinado a uma conta específica que integra seu balanço, podendo apenas ser utilizada para cobrir seus prejuízos.

Além de ter sido um avanço na direção das boas práticas da contabilidade internacional, a lei aumentou a transparência das contas públicas e fortaleceu a autonomia do BC. Até então, seus lucros eram transferidos integralmente ao Tesouro, gerando possibilidade de um financiamento implícito dos gastos pelo BC.

Um ano depois do novo arcabouço, o Tesouro demandará ao CMN permissão para o uso da cláusula de emergência da lei, a qual pode ser usada em casos de severas restrições de mercado. Com esse aval, os recursos da conta do BC poderão abater a dívida vincenda.

Como o BC terá que vender “compromissadas” (títulos com compromisso de recompra no curto prazo) para enxugar a liquidez derivada do abatimento da dívida, o total do endividamento não mudará. O BC acabará assumindo o papel do Tesouro na rolagem, encurtando mais ainda a dívida.

O mecanismo é legal. Entretanto, cabe a discussão se deve ser utilizado. As condições adversas refletem nossa fragilidade fiscal. Os elevados juros de mercado não são uma reação ao gasto emergencial, e sim às demandas por gastos não relacionados à pandemia.

Ademais, é aconselhável que diante da maior volatilidade da taxa de câmbio, o BC utilize seus lucros para constituir reservas, que possam cobrir eventuais perdas. Isso o torna menos dependente da necessidade de uma capitalização futura por parte do Tesouro.

Não estamos diante de um problema de iliquidez. Utilizar mais um item da caixa de ferramentas de gestão da crise é apenas um expediente passageiro. A solução para baixar o prêmio de risco são reformas que permitam a manutenção do teto de gastos. O impacto da leniência fiscal já se deu na dívida pública, mas aparecerá com alguma defasagem sob a forma de maior inflação e maior desaceleração econômica.​

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