Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas?

O que acontece nos EUA, na Europa, na China e em alguns emergentes terá repercussões nas mais diversas economias

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A icônica resposta que a ex-primeira-dama dos Estados Unidos Laura Bush deu a um apresentador de TV ao responder sobre sua estada em Las Vegas —"O que acontece em Las Vegas fica em Las Vegas"— ficou tão famosa que substituiu o slogan da cidade, que até então era "O que acontece aqui fica aqui".

O mercado financeiro está longe de ser um cassino, como muitos erroneamente ainda acreditam. Mas, concepções à parte, o que definitivamente não é passível de discussão é a alta chance de contágio dos movimentos dos ativos, principalmente quando são originados em importantes economias. O que acontece nos EUA, na Europa, na China e em alguns países emergentes terá repercussões diretas ou indiretas, de menor ou maior grau, imediatamente ou ao longo do tempo, nas mais diversas economias.

Na minha coluna anterior, chamei a atenção para o fato de, após anos de extrema liquidez, o aperto das condições financeiras levar ao fim da complacência dos mercados com políticas fiscais insustentáveis. Nesta coluna, pretendo abordar duas outras possíveis consequências.

Fachada do Banco da Inglaterra, em Londres, no Reino Unido - Hanna McKay - 28.set.2022/Reuters

Primeira, a perspectiva de o mau funcionamento do mercado de títulos públicos em uma economia desenvolvida, como o Reino Unido, ser um alerta antecipado de uma possível instabilidade financeira ao redor do mundo.

Segunda, está claro que a normalização da política monetária será extremamente difícil. Os bancos centrais ainda estão longe de estar confortáveis diante de uma inflação muito resiliente e podem enfrentar em breve o seguinte dilema: o que deve ser priorizado, o controle da inflação ou a estabilidade financeira?

Em um paper recente, Rajan, Steffen, Acharya e Chauhan (2022, outubro) mostram como pode ser complicado reverter a redução do balanço dos bancos centrais quando o setor bancário fica extremamente dependente da liquidez. De fato, não só o setor bancário está exposto (dada a natureza de suas operações de crédito) mas também todos os participantes do mercado, hedge funds e até mesmo fundos de pensão, que adaptaram suas estratégias de investimento a um mundo de juros baixos, com diversos graus de alavancagem.

Em seu mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, o FMI fez um alerta relevante. Dado que investidores estão reavaliando as perspectivas econômicas e de política monetária, não é desprezível o perigo de uma precificação desordenada do risco. Já estamos diante de um aumento substancial dos spreads de crédito nos setores corporativo e imobiliário em diversos países.

A volatilidade e o aperto repentino nas condições financeiras interagem e são amplificados por vulnerabilidades financeiras preexistentes, principalmente em economias emergentes. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, advertiu na semana passada sobre o fato de a alta de juros dos países desenvolvidos estar expulsando alguns países emergentes do mercado de dívida. O ano de 2022 foi o segundo pior ano da história em termos de rebaixamento de rating para países emergentes, com o número de países com classificação CCC (ou menos) em patamar recorde.

É nesse cenário que crescem dúvidas sobre até que ponto os bancos centrais continuarão firmes na elevação dos juros. Apesar de alguns, como o Federal Reserve, já terem avançado bem no aperto monetário, ainda enfrentam uma inflação persistente e um mercado de trabalho bem apertado. Diante da precificação de uma taxa de juros terminal perto de 5%, até quando o Fed manterá o discurso de que sua prioridade é a inflação?

Com a credibilidade em xeque, o banco central inglês (BOE) deu um ultimato ao governo britânico e encerrou as compras de títulos. Com isso, conseguiu que a primeira-ministra, Liz Truss, trocasse seu ministro das Finanças e antecipasse uma mudança radical no seu plano fiscal. Mas seus problemas estão longe acabar, uma vez que o risco fiscal não diminuiu completamente, e já se especula que o BOE poderia postergar a redução de seu balanço, em detrimento do controle da inflação.

Na zona do euro, o BCE pode viver o mesmo dilema com a escalada das ameaças vindas da Rússia e a incerteza sobre a agenda fiscal do novo governo italiano.

O pior ainda pode estar por vir em 2023 —e com riscos significativos de contágio financeiro. Diante de todas as incertezas que viveremos nos próximos dias, a única certeza é que erros em políticas econômicas podem ser muito custosos.

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