Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Autonomia de jure, mas e de facto?

Incertezas sobre os rumos da política fiscal precisam ser diminuídas

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No fim da década de 1980, a concepção de bancos centrais independentes surgiu como solução institucional para separar o ciclo político do ciclo de política monetária. Por sua própria natureza, a política monetária requer um horizonte de longo prazo por causa da defasagem entre as decisões de política e seu impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Em contraste, o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto.

Ao dar o controle da política monetária a tecnocratas não eleitos, a experiência dos EUA de alta inflação da década anterior, por exemplo, não se repetiria. Tal argumento foi bem-sucedido; a partir dali, vários países reformaram suas estruturas institucionais para proteger os bancos centrais contra a influência política e salvaguardar a estabilidade de preços.

A sede do Banco Central, em Brasília - Lucio Tavora - 16.nov.21/Xinhua

A experiência internacional mostra que um maior grau de autonomia do banco central está associado a níveis mais baixos e menor volatilidade da inflação —sem prejudicar o crescimento econômico. Entretanto, sabemos que autonomia de jure (estabelecida por lei) pode não se traduzir necessariamente em autonomia de facto. Mesmo quando a lei é explícita, a prática pode ser outra.

Uma maneira pela qual os políticos podem tentar manter o controle das instituições é colocando "aliados" nos cargos mais relevantes. Isso é possível mesmo em relação aos bancos centrais autônomos de jure, uma vez que a indicação do presidente destes, assim como as de seus diretores, é uma escolha do presidente da República aprovada em votação pelo Senado.

Ioannidou, Kokas, Lambert e Michaelides, em "(In)dependent Central Banks" (Janeiro, 2023), coletaram informações sobre a nomeação de 316 presidentes de bancos centrais em 57 países entre 1985 e 2020 e encontraram evidência de que em vários casos essas nomeações se tornaram ainda mais politicamente motivadas depois da adoção da autonomia de jure. Onde a autonomia de facto ficou prejudicada, a consequência foi inequívoca: inflação mais alta e menor estabilidade financeira.

Quando a autonomia de jure não é suficiente para garantir que o banco central não seja capturado por outros interesses que não o controle da inflação, a autoridade monetária perde credibilidade. Um banco central crível tem maior capacidade de influenciar as expectativas de inflação e tornar o custo de desinflação menor (menos empregos perdidos). Se as forças políticas não são suficientes para isolar o banco central de pressões, a autonomia é perdida de facto, mesmo que mantida pela lei.

Estamos vivenciando no Brasil um momento histórico: é a primeira vez que temos uma transição política com um Banco Central autônomo de jure. É difícil fazermos o contrafactual do que seria o comportamento dos ativos financeiros logo após o resultado da eleição se houvesse incerteza sobre o comando do Banco Central. O que podemos afirmar é que as expectativas de inflação começaram a subir perto da aprovação da PEC da Transição e mais ainda com o começo dos rumores de mudanças na meta, não por dúvidas sobre o comando do Banco Central do Brasil (BCB).

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, em palestra na Federação Brasileira de Bancos - Mathilde Missioneiro - 25.nov.22/Folhapress

O BCB tem hoje a difícil tarefa de levar a inflação, ainda bastante alta, para perto da meta. O aperto da política monetária já realizado é significativo. No entanto, este não será bem-sucedido se as incertezas sobre os rumos da política fiscal não forem diminuídas, pois estas impactam as expectativas de inflação e, por último, a inflação. Os juros reais de médio e longo prazos, os que mais afetam o desempenho da atividade, estão elevados também por causa das dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública (aumento do prêmio de risco requerido pelos detentores da dívida pública).

A chance de a atividade econômica se enfraquecer mais nos próximos meses é grande. Mas, em vez de enfrentarmos as causas dos juros elevados, o que temos visto são inúmeros ataques à independência de jure do BCB e ruídos sobre as duas substituições na diretoria da instituição, já definidas para ocorrer no fim deste mês.

A autonomia do BCB foi fruto de um amplo esforço do Executivo e do Legislativo e de um longo processo de amadurecimento institucional. A composição do Congresso não torna o cenário de anulação dessa conquista provável, mas para a autonomia ser de facto preservada é importante que os novos diretores e, mais adiante, o próximo presidente da autoridade monetária gozem de credibilidade e confiança dos mercados. Só assim colheremos os benefícios da autonomia real: inflação baixa, juros menores e maior estabilidade financeira.

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