Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Descrição de chapéu juros Selic Banco Central

Ataque aos juros altos começa, mas não da maneira correta

Teses que não se sustentam sobre a causa das taxas elevadas volta e meia reaparecem

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Explicar a anomalia das altas taxas de juros reais no Brasil é uma questão recorrente para economistas. A discussão reaparece em meio ao aguardo de medidas de ajuste fiscal pós-aprovação da PEC da Transição. O ataque aos juros elevados é natural, já que eles impactarão fortemente o déficit público; assim como o momento é propício, já que a inflação recuou e a economia está desacelerando.

São diversas as teses que tentam estabelecer as causas dos juros altos. Algumas não se sustentam, dada nossa experiência histórica, mas mesmo assim volta e meia reaparecem. Outras, que fazem mais sentido, trazem diagnósticos impopulares e, por isso, na maioria das vezes são postas de lado.

Pessoas andam em frente a sede do Banco Central, em Brasília - Adriano Machado - 22.mar.2022/Reuters

No primeiro grupo, é defendido que a alta taxa de juros reais é resultado de um "pacto" entre investidores do mercado, (beneficiários de aplicações rentáveis em títulos públicos) e o Banco Central, que visa ter a reputação de ser conservador. Marcos Lisboa, em seu mais recente artigo na Folha, rechaça de forma bastante elucidativa a ideia de que o mercado possa ser um sindicato organizado, sendo na verdade formado por gestores que administram a poupança das pessoas e buscam o melhor investimento, dadas as informações disponíveis.

De outro lado, não há nenhuma evidência de que nosso Banco Central tenha sido exageradamente conservador. Desde a introdução do regime de metas de inflação, em 1999, a inflação ficou abaixo do centro da meta apenas em quatro anos. Além disso, tivemos seis anos de inflação acima do topo da meta e caminhamos para o sétimo ano, de acordo com as expectativas do relatório Focus.

Outra explicação muito popular é que o juro elevado decorre de um problema de equilíbrios múltiplos. Essa hipótese atribui a um erro de política econômica o fato de estarmos em um "equilíbrio ruim", sendo que um movimento para o "nível bom" poderia ser obtido sem que se incorresse em custos, como um esforço fiscal. Tal conjectura foi testada entre 2011 e 2013, quando se acreditou que a economia brasileira estava em um equilíbrio de juro alto e câmbio apreciado que poderia ser revertido para um equilíbrio de juros menores e câmbio depreciado.

Em agosto de 2011, mesmo com expectativas de inflação crescentes e acima da meta, o Copom optou por iniciar um forte ciclo de redução da taxa Selic de 12,50%, que chegou a 7,25% em outubro de 2012. O resultado foi uma inflação de dois dígitos, mesmo com o apoio da política explícita de controle de preços administrados, tendo a Selic alcançado 14,25% em 2015.

Dentre as teses mais bem fundamentadas para justificar os altos juros reais, duas merecem destaque na conjuntura atual, pois envolvem o comportamento dos gastos públicos e a existência de mecanismos que obstruem o canal de transmissão da política monetária.

Sobre a primeira tese, o juro real alto seria consequência de uma política fiscal que produz sistematicamente uma tendência de forte crescimento da despesa como proporção do PIB. De 1991 a 2016, as despesas do governo cresceram a taxas superiores ao PIB, saltando de 10,8% para 19,8% Após a aprovação do teto de gastos, tivemos a partir de 2017 um crescimento mais contido, com exceção do período da pandemia. O avanço fiscal pressiona a demanda agregada e exige uma taxa de juros elevada para equilibrar investimento e poupança.

Mais importante ainda, regimes fiscais frágeis, que desancoram as expectativas quanto à solvência da dívida, aumentam o prêmio de risco exigido pelos financiadores do Tesouro e, consequentemente, pressionam as taxas de juros. Não por outro motivo, o teto de gastos, por ser uma regra fiscal crível, trouxe uma queda substancial e prolongada dos juros reais.

Já na segunda tese, o juro real seria mais alto no Brasil porque parte do mercado de crédito opera com uma taxa de juros inferior, subsidiada e insensível à política monetária, deixando uma parcela da demanda agregada fora do alcance da autoridade monetária. Diante disso, o Banco Central, visando manter a inflação na meta, deve adotar uma política de juro mais dura comparativamente à que seria adotada na inexistência de tal obstrução na transmissão da política monetária.

A redução dos subsídios exagerados do BNDES desde 2017 não apenas reduziu os juros de equilíbrio da economia como também gerou um forte crescimento do crédito de longo prazo no mercado de capitais, além do aumento da eficácia da política monetária.

O sinal que temos recebido desde a aprovação da PEC da Transição é de um direcionamento da política econômica que aumenta o risco de os juros permanecerem altos e subirem ainda mais. Mais do que implementar um freio de arrumação, será necessário acelerar reformas que ajudem na consolidação fiscal e blindar as conquistas que obtivemos nos últimos anos.

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