Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Como fica a política monetária quando a estabilidade financeira está em risco?

E como reagirá o nosso BC a essas incertezas?

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A inflação continua alta nas principais economias avançadas; e mesmo depois de um aumento significativo dos juros não há sinais de que a desaceleração já contratada será suficiente para levá-la para a meta. Tanto nos EUA quanto na Europa, as autoridades monetárias enfrentam um dilema relevante: precisam ter maior confiança de que esse objetivo será cumprido antes de dar por encerrado o ciclo de alta; mas, ao mesmo tempo, correm o risco de aumentar a instabilidade financeira que tanto visam preservar.

O consenso acadêmico e de mercado evoluiu para reconhecer que as vulnerabilidades financeiras têm o potencial de afetar adversamente a economia real principalmente depois que o predomínio de juros muito baixos, por décadas, criou inúmeras fragilidades e a regulação financeira elaborada após a grande crise financeira 2008 foi "afrouxada".

Na semana passada, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, destacou ser sua prioridade controlar as pressões inflacionárias. Mesmo com todas as dúvidas em relação aos efeitos das turbulências no setor financeiro global sobre a atividade econômica, Lagarde elevou as taxas de juros em 0,5 ponto percentual, sinalizando que os próximos passos dependerão da evolução dos impactos das condições financeiras mais apertadas, sendo o cenário mais provável a continuidade da alta dos juros. Sua intenção foi afastar o risco de que o mercado apostasse na "dominância financeira" —condição na qual o banco central não se atreve a endurecer sua postura na direção da política monetária se esta for uma ameaça para a estabilidade do sistema financeiro—, desancorando as expectativas de inflação e aumentando o custo de desinflação.

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde - Francois Lenoir - 6.fev.20/Reuters

Nos EUA, o Fed, assim como o BCE, tentou separar os instrumentos para lidar com os dois objetivos: estabilidade financeira e controle de preços. Depois de as autoridades garantirem depósitos de dois bancos acima do valor coberto pela legislação, o Fed lançou uma nova linha de crédito para proporcionar liquidez aos saques do sistema bancário e nesta quarta (22) subiu a taxa de juros em 0,25 ponto percentual —para um intervalo de 4,75% a 5,0%.

A comunicação deixa claro que os desdobramentos recentes tendem a apertar as condições de crédito e por isso o comitê irá monitorar atentamente os próximos acontecimentos, trocando a frase de que altas adicionais de juros seriam necessárias para a possibilidade de que algum aperto ainda possa fazer sentido. O Fed chegou a discutir uma pausa nesta reunião e garantiu que serão tomadas todas as medidas para garantir a solidez do sistema bancário.

Diferentemente do que ocorre nos países avançados, o risco de instabilidade financeira no Brasil tende a ser baixo, porque, além de as instituições financeiras terem bons índices de liquidez e capitalização, a regulação brasileira é rígida e a concentração bancária facilita a fiscalização. Dito isso, é claro que uma desaceleração externa mais acentuada constitui um choque negativo para o nosso PIB. Já os efeitos produzidos sobre a inflação são dúbios.

De um lado, podemos ver um movimento de busca por ativos vistos como "portos seguros" e uma valorização do dólar, o que se traduz em pressões inflacionárias domésticas. O impacto no real dependeria essencialmente da âncora fiscal e da monetária. (independência do BC). De outro lado, além do choque negativo no PIB doméstico, as commodities tendem a cair com a queda do PIB global, gerando um impacto deflacionário. (o qual dependerá também de como o real reagirá ao menor fluxo na balança comercial e na conta financeira).

Como será que o nosso BC deve reagir a essas incertezas? Com a taxa Selic em 13,75%, estamos em uma instância claramente restritiva de política monetária e já há sinais de desaceleração do crescimento e alguma melhora da inflação corrente. No entanto, o patamar dos núcleos de inflação ainda é muito alto, e as expectativas de inflação continuam sendo elevadas —seja pela dúvida sobre o novo arcabouço fiscal, seja pela incerteza sobre quais serão as metas de inflação e a composição do BC nos próximos anos.

Sem dúvidas, as condições de crédito têm piorado, mas não há indicações de que a economia esteja a caminho de uma parada súbita, e sim que o aperto monetário e a incerteza fiscal estejam sendo transmitidos com maior força para a atividade. O resultado dessas ponderações é para o nosso BC, até este momento, a necessidade de manter a Selic em nível restritivo até que se consolidem o processo de desinflação e a ancoragem das expectativas ou mesmo retomar o ciclo de alta caso seja preciso em torno de suas metas.

Navegar nas águas da alta inflação e do risco de instabilidade financeira requer um delicado equilíbrio por parte das autoridades monetárias. De um lado, devem agir para manter a credibilidade de que a inflação voltará à meta. De outro lado, devem manter o compromisso de evitar que condições de mercado sejam agravadas, colocando a economia indevidamente em risco. No Brasil, ainda é cedo para avaliar os possíveis desdobramentos das novas incertezas externas, mas o país certamente estaria mais bem preparado se já tivesse um arcabouço fiscal crível e menos incertezas em relação à manutenção da autonomia do BC.

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