BC mantém juros em 13,75%, rebate Lula e não descarta nova alta ante incerteza

Essa é a quinta vez consecutiva que o Copom decide não alterar a Selic; taxa está no maior nível desde 2016

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Brasília

O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central não cedeu à pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para redução dos juros e manteve nesta quarta-feira (22) a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano.

Sem adotar um tom mais brando, como esperavam alguns analistas, a autoridade monetária não deu sinais de que pretende antecipar o corte da taxa —mantendo inclusive a mensagem sobre a possibilidade de voltar a elevá-la caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.

Essa é a quinta vez consecutiva –a segunda desde que Lula tomou posse– que os juros são mantidos no atual patamar, o maior desde 2016.

No comunicado, o colegiado do BC enfatizou a "deterioração adicional" das expectativas de inflação.

"O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional, especialmente em prazos mais longos. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado", disse o Copom (leia a íntegra do comunicado ao final da reportagem).

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante cerimônia do TSE, em Brasília - Adriano Machado/Reuters

O colegiado voltou a dizer que se manterá vigilante, "avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação".

Diante de incertezas fiscais e de ruídos gerados por falas de Lula e do primeiro escalão do governo –incomodados com o alto patamar da Selic e seus efeitos sobre o crescimento da economia brasileira–, as expectativas de inflação dos analistas do mercado para prazos mais longos pioraram.

Segundo o boletim Focus, divulgado pelo BC na última segunda-feira (20), a projeção para o IPCA (índice oficial de inflação do país) de 2024 avançou de 4,02% para 4,11% –já distante do centro da meta (3%). Para 2025, a estimativa dos economistas saiu de 3,80% para 3,90% e, para 2026, saltou de 3,79% para 4,00%.

A decisão de manter a Selic em 13,75% veio em linha com a projeção consensual do mercado financeiro de que os juros ficariam inalterados novamente. Levantamento feito pela Bloomberg mostrou que essa era a expectativa unânime entre os analistas consultados.

A autoridade monetária fez um leve aceno ao governo dizendo que a recente reoneração dos tributos sobre combustíveis reduziu a incerteza quanto ao resultado das contas públicas curto prazo.

Mas logo na sequência, emendou que, por outro lado, a conjuntura demanda maior atenção, mencionando a volatilidade nos mercados financeiros e a piora nas expectativas de inflação, sobretudo para prazos mais longos.

Outro ponto que o BC chama a atenção é a incerteza sobre a nova regra fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública, fazendo neste trecho outra sinalização sutil ao excluir a palavra "elevada" ao se referir à incerteza. Nesta terça-feira (21), Lula afirmou que o anúncio do marco fiscal ficará para abril, quando voltar de viagem à China.

Já entre os fatores que puxariam os preços para baixo no balanço de riscos, o colegiado menciona a possibilidade de uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada, em função de condições adversas no sistema financeiro global, e uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.

Desde o último encontro, os temores com uma crise de crédito se intensificaram diante de turbulências provocadas no ambiente internacional pela falência do SVB (Silicon Valley Bank), nos EUA, e pela crise do Credit Suisse, na Europa, em um cenário de desaceleração da economia doméstica na esteira do caso Americanas, aliado com uma política de juros altos.

Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, afirma que o tom adotado pelo BC foi um pouco mais duro do que ela e os analistas do mercado financeiro esperavam, até pela manutenção da hipótese de retomada do ciclo de aperto monetário –trecho que espera que seja retirado na próxima reunião.

"O Copom reconhece alguma redução do risco fiscal, mas ele é extremamente enfático na questão das expectativas de inflação", afirma. "Ele inclusive cria um novo risco [de inflação] no balanço, colocando uma desancoragem maior ou mais duradoura".

A especialista, no entanto, vê a inclusão da questão do crédito como uma tentativa de o BC criar argumentos que poderá lançar mão mais à frente para justificar a queda futura de juros. "A porta não está completamente fechada, agora está um pouco aberta, mas bem pouco", diz. Damico espera que o BC comece em maio a transição de sua comunicação para que seja possível iniciar a queda de juros a partir de junho.

Já para Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity Total, a comunicação do BC foi mais "contundente" do que apenas dizer que não tem espaço para corte em maio.

Ele cita a simulação da trajetória de inflação, que assume início de cortes no mês de novembro. O economista ressalta que esse cenário mostra que o IPCA seguiria ainda muito distante do centro da meta de 3% para o ano que vem.

"Essa hipótese com início de corte em novembro não é compatível para a convergência de inflação para a meta, ou seja, tem de ser depois disso. Então, não tem espaço para cortar os juros ainda no ano de 2023", afirma.

Mas o economista vê espaço para mudanças nessa projeção mais pessimista. "Se tiver cenário que [o crédito] venha se contrair num ritmo mais intenso do que seria o esperado por conta da alta de juros, pode ser que o BC antecipe o início dos cortes."

Copom eleva projeções de inflação

No cenário de referência do Copom, as projeções de inflação para este ano subiram de 5,6% para 5,8%. Para 2024, o colegiado elevou a previsão de 3,4% para 3,6%. No horizonte móvel, vê a projeção de inflação acumulada em 12 meses no terceiro trimestre de 2024 em 3,8%.

O BC voltou a incluir um cenário alternativo, no qual a Selic é mantida constante ao longo de todo o seu período de atuação, que inclui os anos de 2023 e, em grau maior, de 2024, com projeções de inflação de 5,7% para este ano, 3,3% para o terceiro trimestre de 2024 e 3% para o fim do ano que vem. "O comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual", afirmou.

Com 2024 na mira, o colegiado do BC volta a se reunir nos dias 2 e 3 de maio para recalibrar o patamar da taxa básica.

O ciclo de alta de juros foi interrompido em setembro de 2022 pelo Copom depois de aplicar o mais agressivo choque desde a adoção do sistema de metas para inflação, em 1999.

Foram 12 aumentos consecutivos entre março de 2021 e agosto do ano passado, com elevação de 11,75 pontos percentuais. A taxa básica saiu de seu piso histórico (2%) até atingir o nível atual de juros.


Veja a íntegra do comunicado do BC

Copom mantém a taxa Selic em 13,75% a.a.

Desde a reunião anterior do Comitê de Política Monetária (Copom), o ambiente externo se deteriorou. Os episódios envolvendo bancos nos EUA e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento. Em paralelo, dados recentes de atividade e inflação globais se mantêm resilientes e a política monetária nas economias centrais segue avançando em trajetória contracionista.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue corroborando o cenário de desaceleração esperado pelo Copom. A inflação ao consumidor, assim como suas diversas medidas de inflação subjacente, segue acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus se elevaram desde a reunião anterior do Copom e encontram-se em torno de 6,0% e 4,1%, respectivamente.

Na mesma linha, as projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* elevaram-se para 5,8% em 2023 e para 3,6% em 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 10,2% em 2023 e 5,3% em 2024. O Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente, referente ao terceiro trimestre de 2024, cuja projeção de inflação acumulada em doze meses situa-se em 3,8%. Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo de todo o horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 5,7% para 2023, 3,3% para o terceiro trimestre de 2024 e 3,0% para 2024. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual.

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública; e (iii) uma desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação para prazos mais longos. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global; e (iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.

Por um lado, a recente reoneração dos combustíveis reduziu a incerteza dos resultados fiscais de curto prazo. Por outro lado, a conjuntura, marcada por alta volatilidade nos mercados financeiros e expectativas de inflação desancoradas em relação às metas em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária. O Comitê avalia que a desancoragem das expectativas de longo prazo eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas.

Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 e, em grau maior, de 2024. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

Considerando a incerteza ao redor de seus cenários, o Comitê segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional, especialmente em prazos mais longos. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes.

* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 5,25, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária "amarela" em dezembro de 2023 e de 2024. O valor para o câmbio é obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.

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