Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Descrição de chapéu juros Selic inflação

Momento não parece favorável para alterar regime de metas de inflação

Como em qualquer mudança, há riscos que não podem ser ignorados

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No fim de junho, o CMN (Conselho Monetário Nacional) se reunirá para definir a meta de inflação de 2026.

Depois de muita especulação em torno de uma possível elevação das metas de 2024 e 2025 —o que muito provavelmente aumentaria as expectativas de inflação, dificultando a esperada queda dos juros—, conjectura-se agora, em vez de flertarmos com esse risco, adotar um horizonte móvel para o cumprimento da meta.

Uma meta de inflação desvinculada do ano-calendário é vista com naturalidade, pois a maioria dos regimes de metas de inflação tem metas contínuas. No entanto, assim como em qualquer mudança, há riscos que não podem ser ignorados.

Restringir o alcance da meta ao ano-calendário foi uma boa opção em 1999, quando era fundamental construir um sistema que ensejasse credibilidade depois que o câmbio fixo foi substituído como âncora monetária.

A definição de um período muito bem delimitado e de fácil aferição ajudava nesse objetivo, assim como as cartas que o presidente do BC passou a escrever explicando os descumprimentos da meta, já que elas carregam o simbolismo de um "constrangimento" e expõem a necessidade de uma postura de política monetária que traga a inflação à meta.

Na experiência internacional, o mais comum é adotar uma meta contínua de longo prazo. É assim que operam o Banco Central Europeu, o Fed e o banco central do Reino Unido, entre outros. Há casos em que não há intervalo de tolerância, outros em que não há objetivo central (apenas um intervalo) e situações como a brasileira em que há centro e bandas. Em alguns casos, faz-se necessário justificar o descumprimento da meta. Em outros não.

Colagem com pilha de moedas, formando uma pirâmide, com um carrinho de supermercado no topo. Ao lado, é possível ver setas que remetem aos tradicionais gráficos de inflação. Ao fundo, um degradê do cor-de-rosa ao branco, de cima para baixo.
Carolina Daffara

Entendo que a ideia de adotar uma meta contínua no país viria com a manutenção dos intervalos e da necessidade de justificar descumprimentos em documentos formais ou pronunciamentos, que poderão ocorrer de forma trimestral, semestral ou anual (com base na inflação acumulada em 12 meses).

Qual é o risco de tal mudança agora? Em primeiro lugar, é possível que ocorra aumento no intervalo (hoje de 1,5 ponto percentual). Isso seria razoável caso as justificativas fossem apresentadas com mais frequência, mas não haveria razão para tal se fossem apresentadas anualmente. Dependendo do tamanho do novo intervalo, podemos ter a sensação de leniência com a perseguição da meta, o que poderia afetar as expectativas.

Em segundo lugar, se a frequência das justificativas for maior do que anual, elas poderão ser "banalizadas", e o "constrangimento" e a necessidade de uma ação mais firme de política monetária desaparecerão.

O terceiro e talvez mais importante ponto é a confusão que pode ocorrer entre uma mudança na forma de aferição do cumprimento da meta e uma mudança na forma de condução da política monetária.

Que confusão é essa? Sabemos que a política monetária tem impacto sobre a economia com defasagens longas, variáveis e incertas, usualmente estimadas entre um e dois anos. O horizonte que o BC vê como apropriado para o retorno da inflação à meta e pelo qual pauta suas ações depende dessas defasagens e da natureza dos choques que incidem sobre a economia (e sua persistência), independentemente de o retorno à meta ser cobrado no ano-calendário.

Na nossa experiência de mais de 20 anos, quando o BC foi confrontado com choques de grande magnitude, ele calibrou a política monetária de forma a alongar o tempo de convergência à meta levando em conta os custos do processo de ajuste (em termos de produto) associados à existência de inércia inflacionária.

O risco consiste na possível interpretação de que, ao adotar uma meta contínua, o BC deva também mirar um prazo mais "ampliado" de retorno para a meta, independentemente dos choques e de seus impactos, considerando que a meta é de longo prazo. O fato de o ano-calendário ser abandonado como período de aferição poderá ser confundido com o abandono do compromisso de agir a tempo de trazer a inflação para perto do objetivo. Muitos poderão interpretar que ter uma meta contínua abriria espaço para queda de juros, o que não faz o menor sentido.

O atual momento não parece ser dos mais favoráveis para introduzirmos alterações no regime de metas, não só pela elevada pressão por uma queda iminente dos juros mas também porque a inflação está bem longe do alvo, as expectativas de inflação estão desancoradas e ultrapassamos o topo da meta nos últimos dois anos.

É natural que a política monetária seja administrada olhando o futuro e que se tenha flexibilidade para acomodar choques e incertezas em sua condução. No entanto, sua administração é responsabilidade do BC.

É importante que fique claro que o CMN não decide qual é o horizonte apropriado para a calibragem da política monetária e, se houver mudanças nos intervalos de tolerância, será imperativo explicar os motivos. Caso contrário, assim como no caso de uma mudança no centro da meta, a desinflação será mais custosa.

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