Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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A apreciação do real é sinal de que estamos no caminho certo?

Essa apreciação está em grande parte relacionada à depreciação do dólar globalmente

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No senso comum, o comportamento da taxa de câmbio é visto como a resultante do sucesso ou do fracasso do conjunto de políticas econômicas adotadas domesticamente. Se a perspectiva da economia é positiva, a taxa de câmbio tende a se apreciar; se há aumento do risco-país, ocorre o inverso. A valorização recente do real, que chegou a cair para perto de R$ 4,90/US$ 1, poderia ser vista como um reflexo da redução das incertezas fiscais e da confiança de que a economia voltará a crescer a taxas elevadas e atrair um elevado fluxo de investimentos externos.

No entanto, o câmbio –por ser a taxa de conversão entre a moeda nacional e a estrangeira– é influenciado por fatores internacionais e domésticos. No caso do real, a apreciação da moeda neste ano está em grande parte relacionada à depreciação do dólar globalmente. O real teve valorização de cerca de 5% e o peso mexicano, de quase 9%, enquanto a rúpia indonésia valorizou-se em cerca de 6% e o peso chileno, 5,3%.

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Dólar na 'briga' com yuan e real - Marília Marz/Folhapress

No ano passado, tivemos não só o mais agressivo dos ciclos de alta de juros do Fed mas também o aumento significativo do risco geopolítico com a eclosão da guerra, levando a uma apreciação de cerca de 25% do dólar em relação às mais importantes moedas globais.

À medida que os temores com a inflação e com o conflito militar como ameaça global retrocederam, o dólar começou a se enfraquecer, oferecendo um alívio para as economias emergentes. Nesta quarta (3), o Fed deixou claro que poderá interromper o ciclo de alta de juros já na próxima reunião, ao passo que os eventos recentes com bancos americanos de médio porte não trouxeram o risco de uma crise sistêmica ou de uma corrida para o dólar por conta de um aumento da aversão ao risco.

Além desses fatores, uma série de choques que haviam prejudicado o crescimento na Ásia e na Europa em 2022 perderam força neste ano. A Europa, que enfrentou a ameaça de perder completamente o acesso à sua principal fonte de energia e o risco de um evento nuclear, tem apresentado crescimento melhor do que esperado. Na Ásia, a política de Covid zero aplicada na China, que levou a um choque de demanda extremamente negativo para toda a região, deu espaço a uma reabertura intensa.

Graças à sua independência energética e à distância geográfica, a economia americana ficou mais protegida do que a da maioria dos países desenvolvidos em 2022, mas hoje isso não se apresenta mais como uma grande vantagem.

Enquanto isso, ainda se espera que o Banco Central Europeu aumente as taxas de juros em mais três quartos de ponto percentual, para 3,75%, visto que o crescimento e o mercado de trabalho apertado na região alimentam temores de que a batalha contra a inflação não esteja totalmente ganha.

Na Inglaterra, tem sido difícil vislumbrar exatamente o final do ciclo de alta dos juros, já que a inflação não mostra recuos significativos. No Japão, o novo presidente do banco central (BOJ) já sinalizou que a política monetária extremamente expansionista –que causou a depreciação do iene– está próxima de terminar.

Embora o Brasil certamente se beneficie do enfraquecimento do dólar, não podemos desconsiderar que o real também tem reagido positivamente à diminuição do risco de um cenário de gastos descontrolados (o consenso, inclusive, é que o Congresso endurecerá o arcabouço) e aos elevados superávits comerciais sustentados pela excelente safra agrícola do ano. Nossos altos juros, ancorados por um Banco Central independente, têm sido há muito tempo um fator positivo para a moeda, principalmente durante a transição de governos.

No entanto, a percepção de que o copo meio cheio possa não ser suficiente para estabilizar a dívida, as ameaças à autonomia do Banco Central e as iniciativas que atentam contra a segurança jurídica do país constituem um risco relevante que vai na contramão do cenário externo.

O real ainda não se recuperou do posto de uma das piores moedas do mundo –junto com a lira turca, o peso argentino e o rublo russo– quando consideramos sua performance desde o início da pandemia (janeiro de 2020).

É claro que sempre há a possibilidade de choques novos e inesperados, mas a depreciação do dólar deve continuar à medida que as incertezas em torno da inflação e da volatilidade da política monetária global diminuírem. Essa é uma boa notícia, que pode, inclusive, ajudar na queda da inflação e dos juros.

No entanto, se os fundamentos domésticos continuarem caminhando sobre um fio tênue, seus benefícios não serão colhidos.

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