Depois de uma alta acentuada da inflação global a partir de 2021, estamos assistindo, desde meados de 2022, a um processo desinflacionário substancial. Mas ainda que em grande parte dos países a inflação esteja caindo, a dúvida persiste: a parte mais "fácil" desse processo já ficou para trás? O fato é que declarar vitória neste momento pode ser precipitado.
A preocupação com a chamada "última milha" da batalha contra a inflação, ou seja, garantir que esta não se afaste das metas a médio prazo, é pertinente. Ao contrário do que os modelos macroeconômicos previam, a alta dos juros ainda não gerou um aumento significativo do desemprego, muito menos a tão esperada recessão nas principais economias.
Dois motivos explicam essa desinflação global sem uma forte desaceleração econômica. Primeiro, as interrupções na cadeia de suprimentos global, que pressionaram a inflação para cima a partir de 2021, diminuíram substancialmente, "resolvendo" parte da inflação causada por restrições da oferta.
Em segundo lugar, as políticas monetária e fiscal são hoje menos expansionistas e, em vários casos, restritivas. Para entender a desinflação, então, é preciso considerar não somente a capacidade ociosa atual e seu efeito direto na redução das pressões altistas dos preços mas também a trajetória esperada para diversas variáveis que podem afetar a economia daqui para a frente. Ou seja, o que os agentes econômicos esperam para a política econômica influencia diretamente a inflação corrente.
Esse segundo ponto é bastante relevante. A desinflação dos itens mais relacionados à demanda foi lenta e incompleta, mas está em curso. E as ações dos bancos centrais foram cruciais nesse processo. A política monetária atua por diversos canais, não só através do controle direto da demanda agregada via alterações no custo do crédito.
Outro canal bem importante é o das expectativas. As decisões e a comunicação das autoridades monetárias impactam o que se espera para a evolução futura da economia, sensibilizando a confiança dos agentes em seus compromissos com a meta de inflação.
Da mesma forma, a política fiscal atua não apenas na atividade, via gastos e impostos, mas também na percepção de solvência e estabilidade da dívida pública. Essa percepção repercute nos preços dos ativos, como a taxa de câmbio e a curva de juros —com consequências para a trajetória de inflação.
Pode-se dizer que as expectativas para a inflação futura e o comportamento da curva de juros futuros são indicadores importantes da confiança dos agentes econômicos nos bancos centrais e na condução da política fiscal, além de serem fatores cruciais em qualquer processo desinflacionário. Se essas políticas fiscal e monetária são vistas como não coerentes com a meta de inflação, as expectativas de inflação subirão e o mercado precificará uma alta de juros no futuro, aumentando o custo de desinflacionar a economia.
Não é à toa que o Fed, o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra, entre outros, estão cautelosos em começar seus ciclos de afrouxamento monetário, com a atividade econômica evoluindo melhor do que o esperado e a desinflação dos preços dos serviços acontecendo gradualmente.
Apesar do diagnóstico de que a política monetária deva ser menos restritiva daqui para a frente, esses BCs não querem passar sinais de leniência no início do ciclo de relaxamento monetário, principalmente quando restam dúvidas se a desinflação de bens continuará ajudando tanto quanto nos últimos meses.
O desconforto aumenta quando boa parte da resiliência atual das economias se deve ao fato de o expansionismo fiscal ter permanecido mais elevado do que o necessário após a pandemia. Aqui, as incertezas sobre o futuro são altas. Já nos EUA, o debate eleitoral não deixa claro como o governo buscará a sustentabilidade da dívida pública de médio prazo. O mesmo ocorre no Reino Unido e na Europa, que também terão eleições em breve.
No caso do Brasil, estamos mais avançados no processo de queda de juros, mas o cenário também prescreve gradualismo e cautela. Nossa economia tem crescido acima do esperado, e as expectativas de inflação de médio prazo não estão ancoradas na meta.
De um lado, temos incertezas acerca do comando e da composição do Banco Central no ano que vem. De outro, o ritmo de crescimento dos gastos e suas regras não são compatíveis nem com as metas de primário futuras nem com o limite de despesa imposto pelo arcabouço.
É fato que, no mundo e no Brasil, as taxas de juros estão bastante restritivas. Mas as dúvidas sobre o quão longe e quão rápido podemos avançar fazem sentido quando o que se almeja são taxas sustentáveis e compatíveis com as metas de inflação.
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