Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Fed: Decisão não trivial

Próximos passos do banco central dos EUA serão decisivos para o desempenho de todos os mercados e economias em 2024

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O ano de 2024 está repleto de incertezas, desde o desenrolar de duas guerras até o resultado das eleições americanas, mas, para o mercado financeiro, o risco mais importante de curto prazo é o que vai acontecer com os juros americanos, ativo que baliza todos os demais.

No final do ano passado, o presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizou uma mudança brusca de visão sobre a política monetária.

Poucas semanas depois de alertar para a possibilidade de manter os juros ainda altos por mais tempo, Powell argumentou que as perspectivas para a inflação melhoraram significativamente, apesar de a atividade seguir resiliente, e admitiu que o começo dos cortes de juros estava em discussão no comitê.

Sede do Federal Reserve, em Washington - Kevin Lamarque - 26.mai.2017/Reuters

Foi o suficiente para os investidores se animarem. O mercado chegou a embutir uma probabilidade de cerca de 90% para a queda de 0,25 ponto percentual de juros em março e um ciclo total para 2024 de cerca de 1,6 ponto percentual ao final de dezembro.

O Fed, então, reagiu a essa euforia com uma série de discursos mais cautelosos. Hoje, essa probabilidade é um pouco menor do que 50%, mas o ciclo total precificado é ainda bem maior do que o sinalizado pelo Fed em dezembro (0,75 ponto percentual).

Mas por que o Fed tem tentado moderar essas expectativas de corte?

Não há dúvida de que o quadro de inflação melhorou significativamente. O índice de preços ao consumidor (CPI) saiu do pico de 9% para perto de 3%, enquanto a medida preferida do Fed, o índice de preços de gastos com consumo (PCE), saiu de 7,1% para 2,6%, ante uma meta de 2%.

No entanto, há ainda uma persistência maior da inflação de serviços, mais afetada pelas condições da demanda. O núcleo de serviços ex-aluguéis está rodando (média móvel de três meses anualizada) perto de 4,3% no CPI e em torno de 3% no PCE.

Em relação à atividade, não só as previsões de recessão ficaram para trás como o PIB tem performado acima do esperado trimestre após trimestre.

A queda dos preços de energia e bens impulsiona o rendimento real e o poder de compra, em um momento em que o mercado de trabalho ainda se encontra aquecido.

As condições financeiras —índice formado por retornos de ativos financeiros com capacidade de prever a atividade econômica futura— estão bastante frouxas, indicando um estímulo para atividade adiante. O setor imobiliário já dá, inclusive, sinais de retomada.

Nesse cenário, o Fed parece temer passar a impressão de atribuir um peso maior à inflação do que para a atividade, ao avaliar a pressão inflacionária a médio prazo.

Seu erro durante a pandemia foi avaliar a escalada dos preços como temporária, causada por choques de oferta, colocando mais peso nos dados de atividade.

Será que é possível considerar que, com serviços rodando perto de 3% a 4%, os demais itens serão fracos o suficiente para que a inflação fique em 2%? A política monetária deve ser conduzida de forma equilibrada, levando em consideração a evolução tanto da dinâmica inflacionária quanto da atividade econômica.

No mais, celebrações prematuras de quedas forte da inflação podem trazer complicações para os bancos centrais.

Um recente artigo do FMI (Fundo Monetário Internacional), intitulado "Cem choques de inflação: sete fatos estilizados", analisa mais de cem episódios de choque inflacionário em 56 países desde 1970.

Os autores constataram que apenas em 60% dos episódios a inflação voltou à meta e que, mesmo nesses casos, o processo levou, em média, mais de três anos.

A maioria dos episódios não sucedidos envolveu cortes de juros prematuros —com a inflação caindo inicialmente, mas estabilizando-se acima da meta ou voltando a acelerar.

Os casos bem-sucedidos envolveram uma política monetária mais apertada que gerou menor crescimento dos salários nominais e perdas de produto de curto prazo.

Não estamos diante de uma espiral salarial-preço que exija uma recessão profunda. A questão não é se os juros, hoje bem restritivos, devam cair ou não, e sim como o processo deve ocorrer de forma a trazer efetivamente a inflação para um nível sustentável, sem gerar uma perda de PIB desnecessária.

A credibilidade de um banco central com metas de inflação é chave para o sucesso da política monetária.

Em um ciclo de queda, se a inflação esperada a longo prazo estiver ancorada à meta de inflação e o banco central conseguir convencer os agentes econômicos de que seu objetivo é mesmo esse, ao final do ciclo os juros acabam sendo mais baixos, e o crescimento, maior.

O esforço de comunicação é mais crucial justamente quando a atividade ainda não mostra sinais de desaceleração coerentes com a meta de inflação.

Outro ponto de atenção é que a persistência da inflação em resposta a choques temporários é afetada pela forma como a política monetária é conduzida e pelo quão crível ela é —questão importante em um mundo cada ver mais polarizado e cercado de incertezas geopolíticas, no qual choques negativos de oferta tornam-se mais frequentes.

Os juros americanos ditam o rumo dos juros globais. Os próximos passos do Fed serão decisivos para o desempenho de todos os mercados e economias em 2024. E a responsabilidade não é pequena.

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