Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Suzana Herculano-Houzel

Da importância de dar nomes aos bois

Nomear a variedade humana traz paz mental, reconhecimento e tolerância a pacientes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tem coisa que parece simples. Um gato, por exemplo, é obviamente diferente de um cachorro. Um gato também obviamente não é um leão. Um bebê leão e um bebê gato são parecidos o suficiente para merecerem consideração por uns segundos até que você possa se decidir, mas ainda assim há sinais suficientes de promessa de futuros diferentes para facilitar sua decisão. Entre os extremos do gato doméstico e o leão, contudo, existe uma gama de diferenças localmente tão sutis que mesmo um especialista comparando pares ao longo do espectro poderia se descobrir concluindo que gato é leão e vice-versa.

O problema em levar leão por gato é óbvio para quem tem amor à própria pele. Por que então há quem resista tanto em dar nomes aos bois quando o assunto é a variedade humana?

Vou arriscar uma resposta: porque somos péssimos em aceitar duas verdades ao mesmo tempo, como a realidade de extremos ao longo de um espectro. A dificuldade é tanta que reconhecer dois espectros diferentes sobrepostos é quase impossível.

Ainda assim, ocasionalmente acontece de alguém fazer a sugestão improvável — e encontrar quem aceite considerá-la, mesmo que no começo apenas como exercício mental. Foi assim com o transtorno bipolar, concebido inicialmente como uma alternância de estados ao longo de uma escala que, na versão mais radical, vai da depressão à mania, com toda uma gama de pontos extremos encontrados em pessoas diferentes. Impensável alguém sofrer de mania pura sem depressão, diziam uns. Mas agora se reconhece a possibilidade de dois espectros, muitas vezes sobrepostos, mas às vezes isolados: tendência somente a depressão, ou a mania.

Suspeito que um problema semelhante existe com o que hoje se chama de uma coisa só, o “espectro autista”. Um pouco de atenção a casos individuais logo levanta a suspeita de que um indivíduo com síndrome de Asperger não é de modo algum uma versão branda de uma pessoa autista – mas, de acordo com a versão atual do Manual de Diagnósticos, ambos estão no mesmo espectro. Mais sobre isso numa próxima coluna. Por ora, a questão é: de que importa se o nome é um ou outro?

Importa para tudo, da paz mental do indivíduo diagnosticado a como os outros o enxergam, passando por prognósticos e eventualmente tratamento a coisas mais mundanas como decisões cotidianas. Sobretudo, importa ao promover o reconhecimento da diversidade, primeiro passo para a tolerância e convivência mais do que pacífica: produtiva e agradável.

Feliz ano novo e governo novo para você, leitor, onde quer que você se encontre nos vários espectros da vida.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.