Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Prefiro não ter princípios

Ter certos valores e objetivos é o que me permite fazer escolhas inteligentes

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Propus aqui há duas semanas uma nova definição operacional de inteligência: flexibilidade, ou seja, capacidade de levar em conta fatos passados, novos fatos, e futuros possíveis e, de acordo com eles, modificar ações e pensamentos.

Ando testando a nova definição, que roda no pano de fundo da minha cabeça, em vários contextos. Foi com ela em mente que ouvi três episódios do podcast Revisionist History, de Malcolm Gladwell, recomendação da minha prima Amanda.

Nesses episódios, Gladwell revisita episódios complicados da história recente dos EUA e propõe a reabilitação de um método de pensamento que ganhou conotação pejorativa em várias culturas: a casuística.

O jornalista canadense Malcolm Gladwell, 52, durante entrevista exclusiva à Folha de São Paulo, no Hotel Transamérica, em São Paulo (SP).  Malcolm Gladwell tornou-se guru internacional após escrever vários livros sobre sucesso, esforço e inteligência
O jornalista canadense Malcolm Gladwell, 52, durante entrevista exclusiva à Folha de São Paulo, no Hotel Transamérica, em São Paulo (SP). Malcolm Gladwell tornou-se guru internacional após escrever vários livros sobre sucesso, esforço e inteligência - 09.11.2015 - Eduardo Knapp/Folhapress

A essência desse método é, ao invés de abordar decisões com base em teorias ou princípios gerais, entender os particulares de cada caso complicado; estudar como esses particulares se assemelham ou 
diferem de outros casos mais simples e fáceis de resolver; e usar as analogias para chegar a conclusões satisfatórias.

A base da casuística parece, à primeira vista, perigosamente próxima do maldito jeitinho brasileiro. Meu argumento de que inteligência é flexibilidade também corre o risco de ser distorcido por aí. Mas casuística e flexibilidade não tratam em absoluto de dar jeitinhos ou abrir exceções, e sim de reconhecer que, 
conforme o mundo gira e novos fatos surgem, o que um dia funcionou como princípio geral não funciona mais para se tomar decisões boas e inteligentes, no sentido de decisões que mantem portas abertas 
para outras decisões futuras.

O exemplo óbvio da vez é o confronto entre o liberalismo por princípio e os custos da sua execução. Liberais-por-princípio talvez aplaudam um governo que defende o livre mercado, a exploração, o quem-dá-mais pelas terras amazônicas, os brados de gringos-não-se-metam. Quando somos regidos por princípios, contexto e fatos particulares não importam. 

Mas de acordo com minha definição-operacional-em-fase-de-teste, fazer qualquer coisa puramente por princípio não é inteligente. Princípios são equivalentes a circuitos fixos, imutáveis —e tudo o que se consegue com isso é o comportamento rígido de uma ameba. 

Além disso, respeitar e buscar a liberdade como objetivo e valor não exige ser liberal-por-princípio. Prefiro não ter princípios, e sim valores e objetivos, se isso me permite fazer escolhas inteligentes, que nos mantem flexíveis e com as possibilidades complexas de toda uma floresta, e não o uso 
limitado de um pasto raso.

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