Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Seus capilares cerebrais, até a morte

Eles vão ser sempre os mesmos e mantê-los bem só depende de você, até em quarentena

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Tenho que afastar do meu hipocampo a memória de um comercial de shampoo da minha infância, em que a voz da moça continuava a mesma, ao decidir que o tópico desta coluna seria minha descoberta mais impressionante na leitura científica desta semana, que envolve a palavra capilar. Pelo jeito meu hipocampo gostou mesmo do comercial.

Capilares não são cabelos, mas vasos sanguíneos tão finos quanto —na verdade, ainda mais finos, mas você entendeu a ideia. Um fio de cabelo, com algo em torno de um décimo de milímetro de diâmetro, ainda é visível a olho nu. Capilares não são: lado a lado, cabem dez desses minivasos em um fio de cabelo.

E, no entanto, a sua vida depende deles, pois é nos capilares que ocorrem as trocas gasosas que apelidamos de respiração. Sabe aquele toma-lá dá-cá de oxigênio do ar e gás carbônico produzido por você que fica seriamente prejudicado em caso da Covid-19? Pois é nos capilares dos pulmões e de todos os outros órgãos do seu corpo que ele acontece.

Homem com touca de eletroencefalografia, que mede a atividade cerebral
Homem com touca de eletroencefalografia, que mede a atividade cerebral - Michaela Rehle/Reuters

Capilares têm exatamente uma única célula de espessura, enrolada em canudinho. O interior do canudinho é tudo o que leva sangue com oxigênio às células dos seus órgãos, pulmões e cérebro inclusive, ou se enche de gás carbônico, dependendo do que tem mais em cada lugar. Mas e as veias e artérias, você me diz, esbanjando sua biologia do segundo grau? Grossas demais. Troca de gases ocorre por difusão e cada micrometro conta.

O que isso tem a ver com cérebro é que o tal estudo que me impressionou, publicado na Cell Metabolism, ano passado, resolveu testar aquele papo de que “todas as células do corpo mudam a cada 7 anos” (“menos os neurônios”, você completa —muito bem!).

Após darem comida com nitrogênio marcado a camundongos recém-nascidos, o grupo colocou sob um microscópio ridiculamente caro vários tecidos dos animais já adultos, para determinar quantas de suas células eram marcadas e portanto tão velhas quanto os animais, ou já células de reposição, nascidas a qualquer outro momento desde então.

Como esperado, neurônios adultos são todos ainda originais. Já a pele adulta, de fato, é um mosaico. Mas eis a surpresa: os capilares do cérebro também são ainda todos os mesmos da infância.

Tá certo que um camundongo adulto tem no máximo dois anos de idade, mas a suspeita, até que se prove o contrário, é que seus capilares cerebrais também sejam os mesmos por toda a sua vida. Ficou preocupado? Deveria. Mas olha a boa notícia: mantê-los bem só depende de você, até em quarentena. É só fazer exercício.


Acabo de me dar conta de que meu hipocampo tem seu comercial de shampoo da minha infância: aquele em que a moça de voz estridente pulava num trampolim com cabelos irreconhecivelmente lindos, lisos, leves, soltos, agora que ela usava o tal shampoo (mas a sua voz continuava a mesma). Tudo isso porque decidi qual seria o tópico desta coluna: a descoberta científica recente que mais me impressionou esta semana, enquanto coloco a leitura em dia na quarentena —e ela envolve a palavra capilar.

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