Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Eu vou tomar vacina!

E o farei com imensa gratidão aos cientistas do mundo todo e aos que os apoiam

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Ah, que linda a diferença entre o animal humano, definido por sua biologia, e a humanidade, construída em conjunto pelos feitos, descobertas, conquistas e esforços de cerca de cem bilhões de indivíduos ao longo da nossa história comum. Gosto do paralelo: já somos, coletivamente e integrados ao longo do tempo, mais humanos no planeta do que há neurônios em cada um de nossos cérebros. E assim como um neurônio sozinho não gera comportamento flexível e complexo, portanto inteligente, não há como um humano só conter em si tudo o que nossa espécie já criou e aprendeu.

Ou seja: a continuidade da história humana depende de muito mais do que da mera sobrevivência dos seus indivíduos. Um cérebro humano adulto mantém vivos um número enorme de neurônios que funcionam como funcionam porque foram esculpidos pelo seu uso. Da mesma forma, uma sociedade permanece porque seus conhecimentos e modos de fazer se perpetuam.

Some-se a isso um cérebro que vive o suficiente para haver sobreposição de gerações e surge a possibilidade de uma humanidade transcendental e duradoura --desde que duas condições se cumpram. Primeira: é preciso que, no mínimo, cada geração transmita à seguinte o que aprendeu. Segunda: é preciso que a geração seguinte se disponha a aprender.

Se os adultos já produtivos de cada geração têm oportunidades, condições e perseverança para inventar ainda mais, tanto melhor: o que era apenas evolução --a história biológica do surgimento da nossa espécie no planeta-- vira progresso.

Progresso que nos permite transformar nosso mundo (para melhor como para pior, claro; mas é fim de ano, então vamos nos concentrar nas coisas boas), viver teimosamente onde não haveria condições de outra forma, aprender por que subitamente centenas de milhares de pessoas morrem, reconhecer que água e sabão, um pedaço de pano e bom senso já ajudam a nos manter vivos, descobrir o punhado de RNA e proteínas que, organizados de uma determinada maneira, causam tanta morte, e de quebra ainda aprender a fabricar pedaços de tais RNA e proteínas de maneira controlada que vira o feitiço contra o feiticeiro e nos deixa não doentes, mas resistentes.

Nossa espécie, graças ao seu conhecimento conjunto construído ao longo de gerações, sabe, e em menos de um ano --posso dizer de novo? Menos de um ano!--, criar pedaços de vírus com os quais se inocular de propósito para tornar o próprio corpo resistente ao novo invasor. Não passarás. Rá! Ainda não será desta vez que sobrarão uns poucos humanos sem humanidade.

Vou tomar vacina contra a Covid, é claro, assim que disponível, com imensa gratidão aos cientistas de todo o mundo e aos que os apoiam. E seguem meus votos para o Ano-Novo: que mesmo os pulhas que dilapidam ativamente a ciência brasileira se beneficiem da ciência alheia que os vacinará.

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