Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Criatividade se cultiva

Talento está em cérebro rico em experiências e escolado em se deixar levar por ímpetos

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Minha paixão mais recente é a ópera/hip-hop/rap/peça/musical "Hamilton", fruto da cabeça de Lin-Manuel Miranda, estadunidense de origem porto-riquenha. Meus filhos sabem de cor todas as duas horas e 40 minutos do libreto. Eu já assisti à gravação do elenco da Broadway no palco ao menos cinco vezes, já ouvi o álbum inteiro umas dez —e a riqueza de sons e ritmos e nuances e brincadeiras com palavras ainda me traz novas surpresas. De onde sai tanta criatividade?

Do cérebro do dito Miranda, claro —mas não em um vácuo. Aos 14 anos, o menino, filho de um consultor do partido democrata e portanto escolado em política desde pequeno, já era obcecado com rap e hip-hop. Miranda estudou na escola de aplicação da Faculdade Hunter, em Nova York, onde nasceu e morou em um bairro racialmente diverso; depois, formou-se na Universidade Wesleyan, conhecido berço de criatividade e agilidade intelectual que encoraja seus alunos a experimentar. Formado em 2002, já com um rascunho pronto de In The Heights, que depois se tornou seu primeiro musical na Broadway, Miranda em 2003 cofundou um grupo de hip-hop improvisado, Freestyle Love Supreme, que continua ativo.

Tudo isso, mais uma leitura inspirada de uma biografia durante férias na praia, é a base da história de como alguém cria uma obra tão rica, complexa e apaixonante como "Hamilton".

Lin-Manuel Miranda e Phillipa Soo em cena do musical "Hamilton", de Lin-Manuel Miranda
Lin-Manuel Miranda e Phillipa Soo em cena do musical "Hamilton", de Lin-Manuel Miranda - Divulgação

Além, é claro, de um cérebro que aprendeu a ser criativo e a se deixar levar pela própria bagagem.

Uma das coisas mais bacanas que a neurociência aprendeu com a técnica de ressonância magnética funcional, que permite ver quais partes do cérebro se tornam mais ativas quando fazemos isso ou aquilo, é que ao mesmo tempo, outras partes se tornam menos ativas.

Além disso, neurocientistas ficaram ousados o suficiente a ponto de levar para o laboratório músicos e artistas de rap free-style, e lhes pedir para improvisar enquanto seus cérebros são escaneados. Resultado: durante o improviso, o cérebro funciona em modo auto-referente e livre de auto-controle, conforme estruturas mediais do córtex que mantêm a coesão do indivíduo se tornam mais ativas, e o córtex pré-frontal dorsolateral, supervisor por excelência, se cala. Solto do próprio cerceamento, o córtex passeia por suas memórias, fazendo associações livremente —para deleite da audiência.

Quem assiste ao resultado pela primeira vez, é claro, fica assombrado, porque a execução fluida aparentemente tirada do chapéu é o que se espera de uma obra de inspiração divina. Mas o talento está mesmo é em um cérebro altamente, e duplamente, cultivado: rico em experiências, que servem como elementos para criação, e escolado na arte de se deixar levar pelos próprios ímpetos, sem freios.

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