Meus neurônios agradecem, aliviados, o empenho de 60.345.999 eleitores em decretar em alto e bom som que o atual Desgoverno tem dia e hora marcados para deixar o Palácio do Planalto —e vêm compartilhar algo que aprenderam com a neurociência, na esperança de que este conhecimento faça a diferença para alguém que preste atenção neste momento.

Há 58.206.354 eleitores no país que prefeririam algum aspecto do que o atual Desgoverno representa à alternativa democraticamente eleita. Alguém que aspire a governar o país para todos os brasileiros precisa saber ouvir tantos semicontentes, no mínimo porque não dá pra contar com um repeteco do empenho dos hoje descontentes daqui a quatro anos, sobretudo quando eles representarem não mudança, mas continuação.

A neurociência explica: fazer alguma coisa requer esforço, ação, energia, e quem tem cérebro só passa à ação quando o dito cujo encontra alguma expectativa positiva, pendurada na ponta da varinha do que o cérebro enxerga à sua frente, que faça o esforço de agir valer a pena. Dopamina, essas coisas. Para não fazer nada, por outro lado, é só ficar onde já se está. Esforço zero, retorno imediato garantido pela continuidade da situação. Não é à toa que o congresso nos EUA vive na gangorra: vira republicano quando o presidente é democrata, vira democrata quando o presidente é republicano. Maldita inércia de quem é pela situação.

Mas eu divago. Eu estava nos 57 e tantos milhões de eleitores que, mais uma vez, votaram pelo Desgoverno (apenas não foram suficientes desta vez). Quatro anos se passaram, quase 700 mil pessoas morreram de uma doença nova que poderia ter sido evitada em ao menos metade delas com vacinação imediata que o Desgoverno dispensou, e ainda assim, 58 e tantos milhões preferiram a situação. Por quê?

Porque Bolsonaro representa algo para esses eleitores que precisa ser ouvido e compreendido, mas vem sendo ignorado no Brasil, assim como Trump nos EUA e o fascista eleitoreiro da vez em outros países: cartas em branco apoiadas por uma máquina tecnológica que já aprendeu há tempos a lição da neurociência de que todo mundo precisa ter expectativas positivas para passar à ação.

É o Candidato Curinga. Quer tudo aquilo que você acha que "tradição" representa, porque os modernos da vez te enchem o saco dizendo que você precisa se atualizar? Vote no Curinga, que defende a tradição. Tradição não é sua praia, mas a palavra "comunismo" soa ameaçadora, e a família ri do seu medo? Vote no Curinga, que também é anticomunista, não importa que nenhum plano de fato comunista exista no horizonte brasileiro.

A neurociência também explica. O Curinga "ouve", e ser ouvido é um dos desejos mais básicos do cérebro: você existe quando alguém organiza seu comportamento levando você em consideração. Validação e reconhecimento nem precisam ser reais; basta o cérebro se sentir escutado e representado, como se o Curinga soubesse ler seus pensamentos, entendesse suas frustrações. O Curinga não vai fazer porcaria nenhuma por você —mas vai continuar ganhando seu voto, porque ele reflete todo o descontentamento que for projetado nele.

O Curinga vai-se embora, mas deixa 58 milhões de brasileiros que precisam se sentir ouvidos. A Neurocientista de Plantão torce por um governo que queira, de fato, ouvi-los, e não taxá-los de ignorantes.