Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu América Latina Argentina

Chispas entre Milei e sua vice lembram difícil tarefa de ser nº2 na Argentina

Victoria Villarruel comprou disputa ao colocar em votação por conta própria decreto do presidente que acabou rejeitado

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A relação de presidentes com seus vices, na Argentina, é especialmente complicada. As crises, intensas, são acompanhadas como quem assiste em conjunto com o resto do país a uma novela televisiva.

Javier Milei completa nas próximas semanas seus primeiros 100 dias de governo e já inaugurou suas fricções com sua vice, Victoria Villarruel. Escolhida para compor a fórmula presidencial, por ser mulher, conservadora e a favor da anistia a repressores, não é especialmente próxima de Milei.

A vice-presidente da Argentina, Victoria Villarruel, fala com a imprensa do lado de fora da Casa Rosada, em Buenos Aires - Luis Robayo - 11.dez.23/AFP

Isso já ficou claro na campanha, quando as mulheres que o acompanhavam, principalmente, eram sua inseparável irmã Karina e sua namorada, Fátima Flores.

Pois Villarruel decidiu dar o troco. Em seus primeiros dias de governo, Milei emitiu um Decreto de Necessidade e Urgência que se concentrava na desregulação da economia e abria as portas para que se cortassem subsídios e ajudas.

Segundo a lei, o DNU entra em vigor imediatamente, mas, depois, tem de ser aprovado pelo Congresso. A ideia de Milei era a de atrasar isso o quanto fosse possível, é claro.

Mas eis que Villarruel, que é líder do Senado —na Argentina, o vice sempre chefia a Casa—, decidiu por conta própria e contra muita pressão da Casa Rosada, colocar o DNU em votação. O decreto acabou rejeitado. Ficou com cara de vingança, de que Villaruel não vai querer ser uma vice anódina que só obedece o presidente.

Saíram chispas. Assim, Villarruel deu início a uma cisão no Congresso, além de comprar uma disputa com Milei. Será apenas o eco e a inspiração da história?

Em 6 de outubro de 2000, o então vice Carlos Chacho Álvarez renunciou a seu cargo, denunciando por corrupção o presidente Fernando de La Rúa, que estaria distribuindo subornos ao Senado em troca de sustento a seu fraco governo —uma coalizão não peronista liderada pela UCR (União Cívica Radical). Historiadores creem que a saída de Álvarez foi um dos aceleradores da crise de 2001. Chacho era uma figura mais carismática, progressista e conciliadora que o conservador e ineficiente De La Rúa.

No primeiro mandato da peronista Cristina Kirchner (2007-2011), ela resolveu chamar, para ser seu vice, Julio Cobos, então na União Cívica Radical, em um gesto de conciliação com a oposição. A harmonia durou pouco.

No ano seguinte à sua posse, Cristina enfrentou uma dura disputa com os ruralistas, querendo aumentar os impostos de seus produtos para exportação. O campo veio à cidade e houve enormes manifestações. Cristina foi em frente e levou ao Congresso um projeto de lei para que esses impostos fossem aplicados em todo o setor agropecuário argentino.

Era um momento difícil em seu governo, sua popularidade vinha abalada por conta desse conflito. Os ruralistas bloquearam estradas, houve desabastecimento nos supermercados, a sociedade estava impaciente. Que a lei fosse aprovada era uma necessidade de reforçar sua autoridade política.

No Congresso, a votação foi apertada. Era alta madrugada, e o pleito terminou empatado em 36 votos a favor e 36 contra. Embora o vice seja o chefe do Senado, ele não vota em sessões regulares, mas é chamado a dar seu voto em caso de um empate. Cobos deu seu voto de minerva… contra o projeto de Cristina.

A presidente nunca o perdoou. Parou de falar com seu vice e o afastou de tudo. Cobos seguiu até o fim do mandato, mas sem figurar em nenhum ato. Nem sequer era chamado para substituir Cristina quando esta viajava.

No caso atual, vemos em Villarruel alguém disposta a ganhar relevância, ainda que a contragosto de Milei. Ela é um ícone entre a direita tradicional desde muito antes de Milei surgir no cenário. O preço político de um rompimento sairia caro ao presidente.

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