Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu América Latina violência

Petro age de modo suicida ao sugerir nova Constituinte na Colômbia

Com baixa popularidade, presidente dificilmente teria apoio do Congresso ou da sociedade para derrubar Carta de 1991

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Em mais uma declaração infeliz, das tantas que já soltou desde que assumiu a Presidência da Colômbia, em 2022, Gustavo Petro sugeriu que se convocasse uma Assembleia Constituinte, uma vez que tem tido dificuldades para aprovar as reformas a que se propôs.

A sugestão foi rejeitada por representantes de todo o arco político. E não sem razão. Das coisas das quais a Colômbia tem muito orgulho, uma é sua Carta Magna, promulgada em 4 de julho de 1991, de cunho liberal e em vigor até hoje.

Gustavo Petro em evento em Mariquita, na Colômbia - Luisa Gonzalez - 14.fev.2024/Reuters

O motivo é simples. Se você é dos que acham que a Colômbia é uma espécie de terra sem lei e que não resolve seu problema de violência, é porque deve olhar para como o país era antes desta Constituição, hoje considerada por historiadores a mais moderna da América do Sul.

Naquele final da década de 1980, a Colômbia viveu um período sangrento, e não possuía os recursos institucionais para virar o jogo dos poderosos cartéis de Cali e de Medellín, das guerrilhas de esquerda e dos paramilitares de direita.

Os índices de mortes violentas eram recorde na região, e havia atentados a bombas a shoppings, Redações, aviões comerciais em pleno voo, além dos assassinatos de ministros, jornalistas e de três candidatos presidenciais.

Hoje, a Colômbia ainda segue enfrentando altas taxas de homicídio, mas estas estão mais relacionadas à transnacionalização do crime organizado.

Foi durante a Presidência do liberal Virgilio Barco (1986-1990) que se realizaram as primeiras tentativas de redigir uma Carta que ajudasse a Colômbia a vencer seus principais problemas: além da violência, uma economia debilitada pela guerra interna e isolada dos mercados.

Pouco antes de passar o bastão para o também liberal César Gaviria (1990-1994), Barco realizou um plebiscito em que a proposta de uma nova Carta teve a aceitação de 86% dos eleitores.

Foram de grande valor simbólico as pressões pela nova Constituição do movimento estudantil e as desmobilizações dos grupos guerrilheiros Movimiento 19 de Abril (M-19) —do qual o próprio Petro fez parte— em 1990, e Exército Popular de Libertação (EPL) e Movimento Armado Quintin Lame, ambos em 1991.

Como o M-19 foi o primeiro a realizar um acordo de paz e entrar na política, foi dado a ele o direito de participar e de ter voto na Assembleia.

Outros grupos guerrilheiros que ainda negociavam a paz tiveram representação, porém sem direito a voto.

Também fizeram parte, estes com poder de voto, representantes indígenas e de outras minorias.

Os êxitos da Carta de 1991 foram, principalmente, garantir mais direitos à cidadania e criar e fortalecer instituições. Foram criadas a Procuradoria-Geral da Nação —antes, eram os próprios juízes que investigavam, acusavam e julgavam os cidadãos— a Corte Constitucional e a Defensoria do Povo. Determinou-se a independência do Banco Central e o catolicismo deixou de ser a religião oficial para dar lugar à liberdade de cultos.

Viraram lei a garantia dos direitos das minorias étnicas e a igualdade de gênero.

Entre 1970 e 1991, o Estado de sítio predominava no modo de governar. Os presidentes apelavam a ele indiscriminadamente. A Constituição de 1991 estabeleceu critérios mais rígidos para que ele fosse acionado.

A sugestão de Petro de substituir essa Carta da qual seu próprio movimento fez parte é no mínimo suicida, uma vez que ele, com baixa popularidade, dificilmente conseguiria o apoio do Congresso ou da sociedade civil num eventual plebiscito para derrubar uma conquista histórica dos colombianos.

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