Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Sylvia Colombo
Descrição de chapéu Colômbia

Destino de navio que afundou com tesouro no Caribe é motivo de disputas

Galeão San José naufragou em combate há mais de 300 anos cheio de riquezas extraídas das ex-colônias espanholas

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Louco de paixão e sem saber mais qual estratégia recorrer para atrair a atenção de sua amada, o personagem Florentino Ariza empreende uma infrutífera busca pelo galeão San José, em uma embarcação precária e apenas com a ajuda de um jovem nadador.

A busca do famoso navio que por séculos alimentou o imaginário dos caribenhos foi realizada, sem sucesso, pelo protagonista de "O Amor nos Tempos do Cólera", de Gabriel García Márquez (1927-2014). Esta é apenas uma entre as muitas referências culturais relacionadas ao tesouro perdido nas profundezas do Caribe.

Naufrágio do galeão espanhol San Jose, na costa de Cartagena, no mar do Caribe
Naufrágio do galeão espanhol San Jose, na costa de Cartagena, no mar do Caribe - Governo da Colômbia via AFP

Desde 2015 a existência do galeão San José, que naufragou em combate no ano de 1708 cheio de riquezas extraídas das ex-colônias espanholas, deixou de ser um mito local para chamar a atenção do mundo. Foi naquele ano que a localização exata da embarcação, próxima à cidade de Cartagena, foi confirmada pelo então presidente colombiano, José Manuel Santos.

Nesses quase dez anos desde seu achado, não foram poucas as discussões sobre o que fazer diante da descoberta. Historiadores, antropólogos, povos indígenas, piratas modernos e políticos se enfrentaram pelas opções: retirar o navio inteiro dali a qualquer custo? Repartir suas riquezas entre as distintas nações das quais esses tesouros foram tirados à força? Usá-lo para reparar os crimes da escravidão? Devolver o barco à Espanha? Deixá-lo no fundo do mar como patrimônio arqueológico? Permitir que companhias estrangeiras o resgatem e fiquem com o lucro? São apenas algumas das opções que foram colocadas sobre a mesa.

Depois de muita polêmica, o presidente Gustavo Petro tomou a iniciativa de, por fim, realizar uma aproximação ao navio por meio de um aparato com sensores e câmeras para investigar de perto a embarcação e trazer algumas amostras. Especialistas creem que há uma grande chance de que os objetos possam se dissolver na superfície.

A opinião da gestão Petro, por ora, é de que o valor do navio é simbólico, não comercial. O presidente tende a decidir que ele permaneça no local, mas que alguns objetos sejam devolvidos aos povos dos quais o tesouro foi retirado, como reparação simbólica.

Indígenas bolivianos da nação Qhara Qhara estão em Cartagena para acompanhar a busca. Parte do que o navio levava eram riquezas retiradas das minas de Potosí. Naquela época, todo o ouro e a prata retirados das explorações na América hispânica era reunido no Panamá e daí embarcado para a Europa. Cartagena teria sido a última escala antes da viagem à Espanha, interceptada por navios britânicos inimigos.

A ideia de Petro de transformar a região onde o navio está em sítio arqueológico e construir um museu com exemplares do que for retirado dali é criticada por nações indígenas de Equador, Bolívia e Peru, que gostariam que as peças fossem devolvidas a eles.

Também há uma empresa de exploração americana que diz ter localizado o navio antes e que o tesouro lhe pertence. Em certo momento, a própria Espanha reivindicou o tesouro, alegando que a embarcação era do Estado espanhol e que a Colômbia não era um país naquela data, mas sim parte do império.

Embora se estime que o navio carregava 200 toneladas de ouro e que o total do tesouro seria o equivalente a US$ 20 bilhões, talvez o melhor seja de fato que ele permaneça onde está, como símbolo da exploração e exemplo de respeito aos que sofreram durante a exploração ibérica nas colônias.

No fundo do mar, o San José ainda poderá seguir habitando os sonhos de amantes atordoados, como o da obra do Nobel colombiano.

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