Lula e Petro devem pressionar Maduro por eleições livres, diz ex-presidente da Colômbia

Juan Manuel Santos afirma que ditador da Venezuela está 'agarrado ao poder' e deve reagir à unificação da oposição

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Bogotá

Ex-presidente da Colômbia e prêmio Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, 72, anda pela Feira do Livro de Bogotá como um popstar: as pessoas pedem fotos, autógrafos e ele fala ao público sobre seu novo livro, "La Batalla Contra La Pobreza" (ed. Planeta, importado), no qual conta como conseguiu reduzir a pobreza de 40,3% para 27% durante sua gestão (2010-2018) —número que voltou a crescer com a pandemia de Covid-19.

Trata-se de sua segunda obra sobre esse período. A primeira, "La Batalla Por La Paz", conta os bastidores da negociação que encerrou o conflito com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016.

Em entrevista à Folha, em Bogotá, Santos fala também de sua desilusão com o presidente Gustavo Petro, cuja candidatura havia apoiado, e do papel que Brasil e Colômbia têm na transição democrática na Venezuela.

Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia, discursa em Bogotá
Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia, discursa em Bogotá - Juan Barreto - 9.nov.22/AFP

O que o senhor achou do "relançamento" da relação entre Brasil e Colômbia? Como avalia essa viagem de Lula a Bogotá?
Tudo o que for para melhorar as relações entre Brasil e Colômbia é bem-vindo, porque são dois países que, se trabalham juntos, podem ter muita sinergia. A Colômbia pode crescer mais se importar do Brasil sua estratégia agropecuária, e o Brasil pode ter um aliado importante para conter a crise na Amazônia.

O senhor sente que trabalhou bem com os presidentes brasileiros na época de seu governo? Com Lula, Dilma e Temer?
Sim, a Dilma me apoiou muito no processo de paz, foi muito importante. A primeira viagem que eu fiz como presidente foi ao Brasil. E eu já tinha o antecedente de ter trabalhado com o Brasil na Organização Internacional do Café, já conhecia bem o Itamaraty. Gosto muito do seu país.

Com Temer tenho uma lembrança curiosa.

Qual?
Estivemos juntos na Assembleia-Geral da ONU em 2017, e Donald Trump pediu para falar reservadamente com os os principais países latino-americanos sobre a Venezuela. E Trump nos dizia, primeiro parecia uma piada, depois vimos que era sério: "por que não uma invasão?".

E eu lhe disse: "esqueça presidente, isso seria uma loucura espantosa". Foi então que dei uma sugestão a ele e ao grupo de que era necessário dar uma saída digna a [Nicolás] Maduro. Que se suspendessem as investigações contra ele no Tribunal Penal Internacional e que ele não fosse perseguido por seus crimes, senão, ele nunca deixaria o poder.

Mas Trump não gostou nada da ideia, ele queria uma solução mais linha-dura. E hoje, estamos onde estamos.

Petro anunciou uma proposta de plebiscito na Venezuela, em que se votaria por garantias para quem perdesse. O que o senhor acha dessa proposta?
Não creio que seja eficiente. O que posso dizer é que se Lula e Petro realmente querem pressionar Maduro por eleições livres, o momento é agora. Esta semana será importante, porque o regime deve reagir a essa unificação da oposição em torno da candidatura do ex-embaixador Edmundo González Urrutia. É possível que Maduro tente inabilitá-lo. Seria muito importante que Lula e Petro lhe dissessem: "respeite esse candidato".

Maduro não vai jogar com uma possibilidade grande de perder. E as pesquisas já mostram ele atrás de uma oposição unificada.

O senhor, que conhece Maduro tão bem, que tratou tanto com ele durante o processo de paz, o que pensa que ele quer?
Maduro está agarrado ao poder. Eu sempre acreditei que ele só o deixaria se lhe derem uma ponte de ouro, uma saída digna a ele e a todo o comando do regime. Senão, ele vai morrer aí, se defendendo.

Seria como oferecer um acordo de paz a Maduro?
Sim, se ele tivesse certeza de que, ao perder, não iria para a prisão, facilitaria uma transição. É aí que há muito desacordo porque Maduro tem muitos crimes pelos quais responder. Por isso a transição dependeria de uma negociação séria e responsável, como se faz, justamente, em um processo de paz.

No livro, o senhor afirma que, se o acordo de paz fosse implementado na íntegra na Colômbia, isso automaticamente ajudaria a resolver o tema da pobreza, pois em seu artigo número 1 está uma reforma agrária. Qual foi o obstáculo para colocar isso em prática?
Falta de vontade política. Isso estava pronto para ser aplicado, mas meu sucessor, Iván Duque, não se interessou, e o presidente Gustavo Petro, por sua vez, tem vontade, mas tem sido incapaz de coordenar essa implementação.

Parece que Petro é bom na teoria, no discurso bonito, mas não é pragmático, não?
Ele tem boas ideias, mas quando é hora de convertê-las em realidade, tem uma dificuldade política enorme. Lula tem muito mais experiência de como governar e tem uma equipe boa ajudando. Não é o caso de Petro.

Da última vez que falamos, o senhor disse que apoiava Petro nas eleições de 2022. Hoje, está arrependido?
No que diz respeito à implementação do processo de paz, sim, porque foi algo que ele prometeu fazer na campanha. E eu me iludi, porque o meu sucessor [Iván Duque, de 2018 a 2022] não fez nada, mesmo sendo uma obrigação constitucional. Não fez porque não quis. E Petro, embora querendo, não fez quase nada em relação a isso em quase dois anos, falta-lhe capacidade. Nesta área, estou, sim, decepcionado.

Por que está sendo tão difícil fazer a paz com o ELN [Exército de Libertação Nacional]. No que se difere das Farc e o que complica tanto as negociações?
Primeiro, não houve rigor e método por parte do governo para seguir com a negociação que nós tínhamos iniciado durante a minha gestão. Um processo de paz precisa ser bem planejado, estudado, é preciso saber o que o outro busca, prestar atenção em qual é a linha vermelha que não se pode atravessar.

Petro retomou esse processo, mas junto com outros ao mesmo tempo, o que não permite ter foco. Ele não formou uma boa equipe e não está levando em conta a diferença do que é guerrilha e o que são facções criminosas.

Depois, o ELN é uma organização mais horizontal, portanto é difícil o consenso, há líderes mais independentes. No caso das Farc, a organização era vertical, o que facilitou conversar com os líderes e saber quais eram as reivindicações.

Este é o seu segundo livro sobre sua gestão. O primeiro foi "La Batalla Por La Paz", agora, "La Batalla Contra La Pobreza". Qual das duas batalhas foi mais difícil?
São duas batalhas muito diferentes, mas também complementares. Enquanto eu negociava a paz no meio da guerra, tinha de lutar também contra a pobreza. Muitas vezes, isso era difícil, mas ao mesmo tempo, ter avançado contra a pobreza facilitou os diálogos de paz.

No livro, o senhor fala de sua origem, numa família tradicional e abastada da Colômbia, que esteve junto ao poder por séculos. Como foi para o senhor, pessoalmente, descobrir a pobreza e a desigualdade no país?
Foi um processo. Meu primeiro impacto foi ver que as condições em que eu vivia eram muito diferentes das do filho do caseiro na fazenda, por exemplo. Eu brincava com esse menino quando era criança, e quando fui à sua casa, foi um choque. Depois fui entendendo o que isso significava para um país, a injustiça que isso representava e como isso era um entrave para o desenvolvimento da Colômbia.

Isso fez com que eu quisesse estudar e me dedicar à luta contra a pobreza. O mesmo ocorreu comigo em relação à paz. Afinal, percebi que se não tivéssemos paz, não poderíamos acabar com a pobreza, ambos são complementares.


Raio-X | Juan Manuel Santos, 72

Formado em economia e administração, pela Universidade de Kansas, com mestrado na London School of Economics e na Universidade Harvard. Foi presidente da Colômbia de 2010 a 2018 e antes foi ministro de Defesa e da Fazenda. Em 2016, ganhou o prêmio Nobel da Paz por seus esforços nas negociações de um acordo de paz com as Farc.

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