Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

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Durante todo um maravilhoso e bem desfrutado período que começou na adolescência e durou até pouco tempo atrás, fui o que chamo de regalinho de Deus: magra e peituda. Mas, uma hora essa festa acaba, e a isso chamamos de "35 anos".

O combalido metabolismo desiste da Fórmula 1 e decide ir brincar de carrossel no parque da Mônica.

Um processo intenso, urgente e cruel de embarangamento simplesmente começa. O peito, antes apontado como uma lança certeira, agora flerta, um tanto cabisbaixo, com as laterais. E o braço, sem aviso prévio, começa a caminhar a passos largos para a realidade um tanto disforme da roliça tia Cidinha.

Claro que algumas mulheres começam a correr loucamente, malhar alucinadamente, fazer detox orgulhosas (já percebeu que a pessoa que come lasanha de abobrinha se acha melhor que as outras? Tem o médico sem fronteira e tem a pessoa que come quinoa real com filetes de frango Korin, pau a pau ali na generosidade para com as mazelas humanas alheias) e postergam a lambança.

Algumas juram que mantêm o abdômen do Neymar apenas bebendo água com meio limãozinho espremido, mas ficam com aquelas vozes escrotas de pato com rinite. Outras, sortudas e com pouco sangue italiano no tríceps de polenteira, simplesmente não rolam como tatus-bolas tímidos pela ladeira abaixo da maturidade estética. Mas a regra é: fez 35, pode fazer "invite all" no Face para a "partida do colágeno".

Antes, comer um pudim na hora do almoço significava apenas ser feliz. Agora, significa conviver com uma terceira bunda que se forma na lombar. Um lordo que confunde os observadores de cofrinhos, pois como pode vir uma bunda acima do rego?

Antes, degustar uma oleosa pizza de jantar significava apenas celebrar a vida com certa preguiça gastronômica. Agora, quer dizer que algumas pessoas da TAM vão te olhar carinhosamente na fila de embarque, pois gestantes merecem tratamento especial.

Antes, um namorado te chamava de chatinha e já era motivo pra você emagrecer 12 quilos só de pensar na ofensa. Agora, eu acho que se eu chegar em casa e pegar meu marido fazendo ménage com anões besuntados em mel orgânico, eu posso sofrer um ataque cardíaco, mas não sofro o abatimento de míseros dois gramas.

Antes, ia dando fim de tarde, eu só pensava em sacanagem. Agora, eu só penso em pão. Comer com a mão. Meter ali um queijo. Talvez queijos variados, untados pelo santo requeijão. Exatamente às 18h45, a boca do meu estômago se arregaça como a bocarra de uma cobra antes de devorar um bezerro.

Estou quatro quilos acima do peso, segundo um nutricionista do Itaim (um terrorista coxinha que disse, se achando engraçadão: "não é à toa que chamam aquela droga de farinha") e um teste Capricho que fiz há 20 anos.

Nada demais, caso eu não sofresse dessa vulgar e fútil melancolia, caso eu não tivesse esse histórico interestelar de ter sido uma garota "regata PP".

E pensar que eu via as Nenas, as Cidas e as Rosanas em restaurantes, usando camisas de manga "três quartos", e pensava: tá escondendo o muque flácido e inchado, né minha senhora? Agora sou eu.

Outro dia, tiraram uma foto minha deitada num sofá (os braços espalhados, duplicando o diâmetro da desgraça) e me marcaram e eu demorei dois dias pra entender que não era um novo aplicativo de embarangar do iPhone, era o tempo mesmo.

Antes que venha algum mimimi de gente boazinha falando que este texto é preconceituoso ou faz apologia a algum comportamento destrutivo perante os jovens ou tem mensagens subliminares de apoio ao nazismo estético, quero concluir dizendo que estou redondamente feliz e saudável. Apenas sou cínica e ocupada demais pra resolver isso na academia, então prefiro ficar reclamando num texto, enquanto como.

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