Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tati Bernardi
Descrição de chapéu

#ficaolhoazul

O primeiro banho foi muito tenso; a primeira noite foi inteira dedicada a conferir se Ritinha respirava

Pés de bebê
Pés de bebê - Wanezza Soares/Feito Criança Fotografia

No exato segundo em que minha filha nasceu, experimentei esse sentimento de altíssimo nível, algo até então desconhecido. Dada a novidade, ainda não decidi qual seria o mais certeiro e exagerado antônimo para o meu mais costumeiro egoísmo. Só lembro de retinas de águia seguindo a bebê peladinha pela sala de partoacho que foi a primeira vez na vida em que eu não pensei (primeiro) em mim, e olha que eu estava ali deitada, sangrando. 

Em segundos troquei o medo, que é sempre tão autocentrado, pelo mais profundo encantamento, que é sempre tão entregue. Passei dias atônita pela explosão do amor e adoraria ter conversado sobre tamanha experiência com as visitas, mas todos estavam focados em outro milagre: os olhos azuis da criança. Será que vinga? Quem tem olho azul na família? Nossa, ela tem olhos azuis! Que sorte tem essa menina, hein! Ah, vocês capricharam mesmo: ela tem olhos azuis!

No dia da alta hospitalar, a emoção de carregar Ritinha até o elevador, até a rua, até o primeiro segundo da sua aventura no mundo, teria rendido horas dos mais bonitos diálogos. As frases estavam todas apitando dentro de mim, querendo interlocutores, querendo gritar a doideira maravilhosa que é sair de casa sendo filha e voltar, depois de 48 horas, sendo mãe. Voltar na companhia de uma pessoinha que não existia até antes de ontem e que agora tem cicatriz de BCG, RG e plano médico.

Mas as enfermeiras, os obstetras, os pediatras, os vizinhos, os parentes e os amigos insistiam no assunto: impressão minha ou essa princesa tem olhos azuis? “Meldels” que afortunada essa criatura: olhos azuis! Essa vai dar trabalho! É a sua versão melhorada pois...tem olhos azuis! Que sorte!

O primeiro banho foi muito tenso. O tempo todo achei que poderia derrubar, afogar ou quebrar a nenê. A primeira noite foi inteira dedicada a conferir se Ritinha respirava.

 

Na primeira semana, e também na segunda, na terceira e até hoje, me pergunto se meu leite é suficiente, se eu sou suficiente, se minha infinita devoção basta para que ela seja a mais feliz e saudável e longeva criatura desse planeta. Como teria me feito bem conversar sobre inseguranças, sustos, mudança avassaladora de vida e desenfreada paixão por um corpinho tamanho 50 cm. No entanto, sempre inconformados, falantes e esperançosos, avós, tios e primos seguem se perguntando a partir de quanto tempo de vida a cor dos olhos de um bebê é “certeza”. Porque, por enquanto, são azuis, mas será que ficam azuis? Porque muitos bebês nascem com os olhos azuis mas...depois ficam “normais”, ?

Existe o mundo antes de ter uma pequena mãozinha que me faz pequenos carinhos nas costas enquanto mama e existe o mundo depois de ter uma pequena mãozinha que me faz pequeninos carinhozinhos nas costas enquanto mama. E ela mama a cada hora e meia então a cada hora e meia uma pequeniiiiiina maoziiiiiinha me faz carinhozinhos nas costas enquanto mama. E como eu gostaria que falássemos sobre isso, todos nós, sobre essa coisa fantástica que é gerar e amamentar e criar um humano. Mas minha semana foi monotemática depois que postei uma foto da minha filha nas redes sociais. Mas ela tem olhos azuis? E começou a torcida do #ficaolhoazul e do #tomaraquefiqueazulprasempre. Será que esses olhos vingam? Não sei. Porque nem sempre fica azul, ? É, nem sempre. A maternidade é tão solitária quanto maravilhosa.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.