Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Tempo da bobeira

David Magila

Amigas que tiveram filhos recentemente se perguntam quando voltará a barriga mais firme. Quando despertará o saudoso desejo sexual. Quando as calças jeans de outrora abrilhantarão a antiga forma do quadril. Quando conseguiremos conversar sem esquecer as palavras a cada cinco palavras? E dormir oito horas seguidas, é pra quando?

Já eu sinto falta mesmo é do tempo da bobeira. Aquele limbo inútil que interliga de forma tão harmoniosa (apesar de parecer descontrolada) todos as nossas bem aproveitadas horas.

O tempo que nos negamos a dormir antes de dormir. Viciosos minutos desperdiçados vendo as fotos de uma semidesconhecida desinteressante na praia, antes de trabalharmos. Dar uma deitadinha antes de escolher a roupa, mesmo já estando atrasada. Ver reality show da MTV enquanto não começa a entrevista no Arte 1. Eu tenho muita saudade do meu desperdício.

Agora a palavra “otimizar” é a senhora dos meus dias. Leio o jornal fracionado em etapas de xixi. E faço xixi fracionado em etapas de soninhos da nenê. E num dos xixis aproveito pra tomar banho enquanto escovo os dentes. Ontem tomei café da manhã dando de mamar, lendo a bula do Label e respondendo e-mails. Ao final do dia achei um pedaço de bolo de banana dentro da orelha da minha filha.

Quando deito pra dormir, não posso me perder em pensamentos de angústia. Em grandes questionamentos a respeito da missão humana na terra. Em imagens luxuriosas para relaxar os sustos da minha mente. Em fotos de celebridades no Instagram. Em compra online de moda feminina carioca feita por jovens um tanto antipáticas. Eu preciso de fato DORMIR. E rápido. Porque é desde antes de ontem que preciso dormir. Então nem cogito prolongar a chegada do prazer. Tenho a impressão, ultimamente, que já começo a dormir cinco minutos antes de perceber que vou começar a dormir.

Tenho muitas saudades do meu tempo de bobeira. Eu também era todas essas horas em que eu não era nada. As vírgulas infantis são o oxigênio da vida adulta. Lembra quando inventávamos de descolorir os pelos das coxas na varanda da casa de uma nova amiga e isso poderia durar uma tarde inteira? Aquilo era felicidade. Era bem menos felicidade do que ter um filho, mas é justamente a essa “alegria menor” que me refiro. Quando estamos distraídos de ter nascido, quando nem notamos que está tudo bem e, só por isso, a nuca para de doer.

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