Foi emocionante quando tiraram um pequeno ser glorioso de meu ventre, mas estava assustada, cortada, chapada. Ela chegou cheia de fome e eu funguei sua cabeça perfeita, segurei suas mãozinhas primorosas, ouvi seus barulhinhos sublimes e senti uma transformação profunda. Mas estava doida para sair do hospital, curtir uma macarronada sem as azias da gravidez e voltar à programação normal das minhas costelas sem tanta falta de ar na madrugada.
Ao chegar em casa com você tão pequenininha nos braços e te apresentar ao seu quarto impecavelmente arrumado, meu cachorro milimetricamente tosado e o leve, correto e previamente estudado perfume de sabão de coco orgânico (o piso, as cortinas, as louças, as roupas, tudo da casa foi lavado com ele), experimentei a delicadeza avassaladora de uma nova vida, mas estava ansiosa para reaver algumas (muitas) coisas da antiga. Me perguntava quando voltaria a escrever, a estudar, a subir uma ladeira sem parar na metade do caminho para dar uma semidesmaiada.
Os dias foram passando e eu sentindo cada vez mais amor. Mas um amor poluído pelas expectativas e cobranças de um sentimento ainda mais virtuoso, imaculado, ininterrupto. Quando vou sentir a tal devoção sem limites, a adoração sem cansaços e tristezas? Quando verei estrelas, um lindo arco-íris e a aurora boreal em explosão cósmica no teto do quarto?
Ontem um cheirinho de parmesão light com data de validade duvidosa invadiu o cenário da maternidade perfeita e trouxe uma lufada necessária de ar, uma ventania do mais benfazejo oxigênio. Minha filha tem chulé. Minha filha, e não o bebê perfeito, não o bebê das fotos, não o bebê da opinião e dos sonhos alheios. Não o bebê que devo venerar até explodir minhas escápulas ou anular meus outros desejos, mas minha filha. Ela tem chulé.
A pentelhinha maravilhosa que berra quando preciso dormir, que golfa na minha roupa quando preciso sair, que solta pum alto e acho a coisa mais divertida do mundo. Ela tem chulé. Passei a tarde beijando e cheirando seus dedinhos e tirando craquinhas de algodão do meio deles. Querendo que a casa, as roupas, o piso, as louças, as cortinas, tudo cheirasse pra sempre como seus pezinhos.
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