Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

A louca do parquinho

É preciso ser convidado para furar a delicada bolha estabelecida pela mãe e seu bebê

Tati Bernardi
Ilustração para a coluna Mamãe Neura, da revista sãopaulo, de 10 de junho de 2018
David Magila

Quero pedir desculpas a todas as mães que assustei nos últimos 20 anos. Eu era a louca do parquinho e não sabia.

Não podia ver um bebê na rua, no shopping, na pracinha, numa festa, até em sala de espera de médico, que lá ia eu infernizar o pequeno ser e incomodar sua pobre mãe. Quando estava comigo, meu marido apertava minha mão e diminuía o passo, como se pressentisse que faria alguma besteira, tipo quando a gente puxa a guia do cachorro ao ver outro menorzinho se aproximando.

Sentia um forte clima de “corre com a criança antes que seja tarde”, mas não entendia por que meu simples desejo de afagar (e cheirar e agarrar e morder) bebês era visto como infame. Ué, mulher desconhecida, eu (com todos os meus potenciais vírus, bactérias e outros germes) quero apenas dar amor ao seu filho, qual o problema? 

Há quatro anos, fui ao aniversário da Mayra, produtora do último filme que escrevi, e ela estava com um bebê maravilhoso no colo. Corado, gordinho, sorridente. Me desesperei. Era agarrar aquele mini-humano ou passar o resto da vida achando tudo enfadonho. 

Simplesmente NÃO PERGUNTEI NADA pra mãe (que eu não conhecia) e me lancei pra cima da criança. A Mayra tentou argumentar, mas era tarde demais. Mordi a barriga, cheirei a nuca, ninei, falei “te amo pra sempre” no ouvido dele. A mãe fechou a cara e foi embora pouco depois. Moça, esse texto é pra te pedir perdão de joelhos. Mayra, desculpa ter causado na sua festa. 

Agora que sou mãe, tenho pavor que desconhecidos sequer sorriam para minha filha. Se encostam um dedo no pezinho dela, já tenho vontade de espirrar álcool gel nos olhos da pessoa. Se a pegam no colo, me contorço em ciúmes e em desejo profundo de que o mundo todo use máscara cirúrgica. Contratei uma babá e demorei 40 dias para deixá-la me ajudar. Os amigos sabem que qualquer visita que passe de meia hora já me dá angústia.

A mãe e seu bebê formam um universo completo e delicado. Para furar essa bolha, é preciso ser muito cuidadoso, amável e, sobretudo, convidado. Continuo sendo a louca do parquinho, só que agora estou do outro lado da história.

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