Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Quero ser embaixadora nos EUA

O que as crianças chamam de Reino Mágico eu, muito cedo, chamei de REALIDADE

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Considerando que ninguém mais tem dinheiro para produzir seriados, livros, peças de teatro e longas-metragens, comecei a pensar aqui em um plano B e decidi que posso ser embaixadora nos EUA

Estive na América três vezes. A primeira, aos 12 anos, já foi bem difícil. Declarei encerrada a minha infância ao abraçar a Minnie para uma foto e ela arrotar bem alto na minha orelha. Minnie era um cara e ele não era nem um pouco educado. Fritar hambúrguer para sobreviver e passar frio em uma montanha não são nada comparados a isso. Enquanto todas as crianças chamam a Disney de Reino Mágico eu, muito cedo, me vi obrigada a chamá-la de REALIDADE.

Nessa mesma viagem, sofri injúrias e provações que em muito superam fritar hambúrguer e passar frio em uma montanha. A tia da excursão trancava meus dólares em um cofre (em seu quarto) e só me liberava quantias irrisórias a cada passeio.

Peguei uma amigdalite terrível, daquelas que você fica sem forças até para virar de lado na cama. Mas a desgraçada da tia era paga para que todos se divertissem ininterruptamente e me obrigou a ir a todos os lugares com aquelas crianças horríveis de um colégio de riquinhos reaças da zona sul. Eu nunca mais veria tanta gente de péssimo caráter reunida em um ônibus. Se isso não me habilita a ser embaixadora nos EUA, eu não sei de mais nada.

Depois, com uns 20 e poucos, fui atrás de um namorado que estava trabalhando em Nova York e, porque eu era muito jovem e apaixonada e sexualizada, resolvi descer do avião vestida “para matar” (o que não pegou muito bem naquele ano de 2001) e fiquei horas sendo interrogada antes de entrar no país.

Sapatos da Minnie
Sapatos da Minnie - Danny Moloshok/Reuters

Reviraram minha mala e sacudiram uma cinta-liga com strass na minha cara, como se dissessem: “E agora? Vai negar?”. (Perdão, mãe! Não porque fui uma jovem lasciva, mas porque você me ensinou desde muito nova a odiar tudo que tem strass.) Ainda não entendi se acharam que eu era puta ou apenas muito brega. Em suma, aturar preconceito e chá de cadeira na alfândega é bem mais puxado do que fritar hambúrguer e passar frio em uma montanha.

Mas agora o que vou contar a vocês é o Ultimate Fight, o desafio final e absoluto de uma carreira de perrengues abissais e esforços sobre-humanos: eu fui a Miami comprar roupas de bebê quando estava grávida de sete meses. E isso é muito —mas muito!— mais sofrido do que fritar hambúrguer e passar frio em uma montanha. 

Para começar, já no avião você se pergunta: se tem uma Alô Bebê na esquina de casa, que porra eu estou fazendo com esse barrigão gigante aqui dentro? Em uma fase em que respirar dá azia e piscar os olhos é motivo para uma sucessão intensa de arrotos e peidos e chutes nas costelas, se meter em milhares de lojas abarrotadas tentando entender por que sometimes o P vem antes do new born (gente, nascer vem antes de ser pequeno, confere?) e como traduzir “mijãozinho” (mesmo sem saber que vestimenta é essa em português) é incomensuravelmente mais complicado do que fritar hambúrguer e passar frio em uma montanha. 

Nessa mesma viagem, na seção de meias new born com antiderrapantes (pra quê?) eu espirrei e levemente me urinei. E isso, amigos, em termos de viver experiências profundas e reais nos EUA, não chega nem perto de fritar hambúrguer (em uma lanchonete sem hambúrguer!) e passar frio em uma montanha.

Enfim, coloco-me à disposição. 

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