Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Olha essa mãe!

O grito primal do horror está voltando, por Deus, eu era cheia de sonhos

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Estou no shopping com meu marido e minha filha (perdão, moro em São Paulo) quando ela aponta para um canudo comprido com sabão e um cachorrinho na ponta.

Enquanto eu tento entender que cazzo é aquilo, ela começa a se sacudir inteira, porque quer me explicar, mas ainda é um bebê (ou eu acho que é?) —e, mesmo que falasse perfeitamente, quem poderia descrever com maestria a utilidade real daquele objeto?

Ao ver que nossa filha vai ter uma de suas crises de “se joga, berra, grita, chuta, bate, perde o ar, quase vomita” e, junto com ela, nós vamos ter uma de nossas crises de “não sabemos o que fazer, não conseguimos ignorar, se não ignoramos só piora, não podemos dar tudo o que ela pede, mas ela é tão linda e essa merda é só 47 reais, sempre julgamos pais cujos filhos fazem isso e agora a nossa faz, parece coisa de criança mimada, mas ela está angustiada e sofremos com ela, amamos esse serzinho mais que tudo, que saco, quero fugir dessa vida, eu era feliz, eu não era feliz”, meu marido corre para o caixa segurando o canudo com sabão e um cachorrinho na ponta e pede passagem.

Pais devem saber lidar com crises de histeria dos seus filhos
Pais devem saber lidar com crises de histeria dos seus filhos - muro - stock.adobe.com

Ele avança enérgico, como se empunhasse a tocha olímpica. Em breve, minha filha vai parar de emitir, de sua incansável e valente goelinha, o alarme terrível, agudo, ininterrupto e perturbador (já li uma pesquisa dizendo que é mais estressante do que estar em guerra ou inventei isso?).

Só que não. Agora ela está irritadíssima porque o plástico não abre e depois fica estressadíssima porque as bolhas demoram a sair (ela não sabe fazer as bolhas e eu tento ensinar e só piora e o grito primal do horror está voltando, por Deus, eu era uma jovem cheia de sonhos).

Mas isso tudo é a ponta do iceberg. Na noite passada ela não dormiu. Ou melhor, o pouco que dormiu, exigiu que fosse em cima da minha cabeça. Então eu não dormi e, não sei como, também não respirei.

Estou errada em deixar? Devo estar, mas às quatro da manhã nem sempre você consegue educar. Às vezes você só quer mesmo deitar e tentar morrer um pouco.

Durante o almoço, ela se divertiu colocando arroz dentro de um copo com água e transformando sua alimentação em uma “massinha”. Estou errada em deixar? Devo estar, mas tente educar tremendo de fome e necessitando desesperadamente de alguns minutos de paz e carboidrato.

De repente, descolou a porra da cabeça do cachorro da caralha do canudo e foi sabão para tudo quanto é lado. Minha filha só faltou me matar. Meu marido foi dar um tempo. E, nessa hora, uma velha desgraçada passou a falou: “Olha essa mãe!”. Sim, me julgando. Aquela boquinha murcha de “no meu tempo…”. Estou errada em chamar uma idosa de desgraçada? 

Devo estar. Mas, como me disse uma vez a saudosa Fernanda Young: “Tem velho que é só um desgraçado que envelheceu”.

Joguei a desgraceira do brinquedo no lixo, segurei firme o bebê (com dois anos é bebê?) no colo e mandei a real com muita segurança e determinação: “Calma, amor, mamãe vai comprar outro!”. 
Estou errada? O tempo todo. 

No final, me tornei o que mais temia: uma daquelas senhoras roliças que tenta acalmar o bebê (ainda é bebê com dois anos?) em um conglomerado de lojas.

Ontem, uma amiga me mandou uma foto de uma mulher descabelada, semiafogada por uma onda gigantesca do mar.

O título era “Mãe nadando nos cuspes que jogou pra cima”. Antes de falar “olha essa mãe!”, faça exatamente isso: olhe com compaixão para uma mãe. Elas são o máximo.

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