Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

Chorar também é agir?

Obra de Georges Didi-Huberman explora ideia de que emoções podem nos movimentar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Que emoção! Que emoção?

  • Preço R$ 37
  • Autoria Georges Didi-Huberman
  • Editora 34 (72 páginas)

Em 2013, numa breve conferência nos arredores de Paris, o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman provocou uma plateia cheia de jovens com a seguinte pergunta: o que são as emoções?

O título do livro homônimo dessa apresentação, “Que Emoção! Que Emoção?”, sugere justamente uma dualidade: primeiro um espanto, “que recai sobre mim sem aviso”, e depois uma espécie de investigação: “Como a emoção acontece, se desenvolve, desaparece, recomeça?”.

Georges abre a sua fala se mostrando contrário às conclusões de Charles Darwin descritas no livro “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”. Para o biólogo e grande teórico da evolução, chorar é um ato primitivo, selvagem e fútil, ocorrendo mais facilmente em macacos, cachorros, bebês humanos, mulheres loucas e doentes.

O bebê do livro de Darwin chora, nas palavras de Georges, “como se algo de muito poderoso saísse do interior da criança em direção ao exterior, ao mesmo tempo que os olhos fechados parecem recusar que o mundo exterior venha até ele”. Mas, afinal, o infante chora porque é livre para sentir raiva, tristeza, medo, ou porque é prisioneiro do que sente naquele instante? A emoção nos torna passivos ou atuantes?

Para responder a mais essa pergunta, Didi-Huberman diverge do pensamento de alguns autores e filósofos clássicos que tinham a tendência de considerar a emoção como fraca e patética (do grego páthos, passividade, paixão, incapacidade de agir). Ele se opõe ao discurso de que a razão é a última bolacha do pacote, encontrado em Platão e Kant, e à teoria de que a emoção seria um impasse à ação, complicando a condução de uma vida mais adequada a um adulto.

Mas está com Hegel, que “devolve ao páthos a sua dignidade” quando este diz que “sem impasses, nem sequer saberíamos o que é uma passagem”. E termina sua “filosaga” concordando com Nietzsche, que ao preferir a poesia, a arte e a literatura a pensamentos mais dogmáticos, entende que a frase “eu ardo de paixão” pode sim ser uma ação positiva e operante, e não uma voz passiva à mercê de uma emoção.
A vida sensível descrita em sua energia e passionalidade, como pode ser admirada em Baudelaire, Flaubert e Rodin, e estudada em Henri Bergson (que costumava dizer que “emoções são gestos ativos”), é o ponto de partida para a teoria da “e-moção” de Georges Didi- Huberman, a saber: uma moção que, ao ser justamente posta para fora de nós mesmos, já denota seu movimento.

Jean-Paul Sartre escreve que “a emoção é uma maneira de perceber o mundo”; Freud, ao falar do inconsciente, nos apresentou as tais emoções que nos tocam profundamente, mas para as quais não conseguimos nenhuma representação (“disjunção entre afeto e representação”); Deleuze aprofundou todas essas descrições afirmando que “a emoção não diz ‘eu’”, pois estaríamos fora de nós mesmos; e, para o etnólogo Marcel Mauss, existe uma espécie de “expressão obrigatória” facilmente observável, por exemplo, em velórios e enterros: “são signos de expressões inteligíveis […] são linguagem”.

Bom, eu estou quase contando o livro inteiro (ele é beeem fininho e delicioso), mas paro por aqui, finalizando com um parágrafo do autor que me fez pensar neste Brasil profundamente entristecido de 2021: “as emoções, uma vez que são moções, movimentos, comoções, são também transformações […] inclusive é por meio das emoções que podemos transformar nosso mundo, desde que, é claro, elas mesmas se transformem em pensamentos e ações”. Ou seja, se você chora ao ler jornal e assistir a noticiários, você está ativo na luta e faz parte da maioria (ufa!) que muito em breve colocará um basta nessa situação política indigesta, criminosa e aviltante.

Livro 'Que Emoção! Que Emoção?' de Georges Didi-Huberman
Livro 'Que Emoção! Que Emoção?' de Georges Didi-Huberman - Reprodução

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.