Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

'Copo Vazio', de Natalia Timerman, transborda amor e angústia

Obra matou saudade que eu tinha de mim e de coisas sufocadas no meu corpo

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Copo Vazio

  • Preço R$ 62
  • Autoria Natalia Timerman
  • Editora Todavia (144 páginas)

Por que uma mulher (e aqui claramente me refiro às heterossexuais) precisa de um homem? Uma mulher deste século, uma mulher da bolha privilegiada que lê os livros da nova onda feminista. Por quê? E, quando eles somem, quando não dão conta, quando não sabem, quando não explicam, por que nos deixamos sentir mutiladas, rasgadas, completamente perdidas?

Em algum momento Mirela, a protagonista de “Copo Vazio”, se pergunta isso. Se fomos ensinadas a nos ver como “menos” quando não somos o par de alguém, por que essa mesma sociedade nos chama de “exageradas” quando sofremos o final de uma relação?. Taí um questionamento que sempre me fiz.

Termino o livro deitada no chão do quarto da minha filha. Ela dorme na caminha, com febre, e estou aqui medindo sua temperatura a cada cinco minutos. Esse amor que sinto agora, por essa criança que tem meu queixo, meu nariz e minha boca (e os olhos enormes e bondosos do pai), é certamente o maior já experimentado nos meus quase 42 anos. Mas chego ao fim da obra de Natalia Timerman aos prantos, e isso não tem nada a ver com minha realidade materna.

Essa é a minha história de antes. Será que envelhecer nos torna pessoas tão diferentes? Percorri as 144 páginas de mãos dadas com várias das minhas idades. Lembrei do meu coração me enjoando a barriga enquanto eu marcava sem parar cardiologistas e gastrenterologistas. Recordei cheiros perdidos que ficavam no meu travesseiro (e que eu enfiava minha cara inteira ali, pateticamente, para tentar recuperar algo bom e não dormir tão sozinha). E chorava, chorava. Meu Deus! Minha mãe dizia sempre o quão absurdo era uma mulher moderna insistir na aura “poeta tuberculosa”.

"Copo Vazio", obra de Natalia Timerman, publicado pela Todaviaa
"Copo Vazio", obra de Natalia Timerman, publicado pela Todaviaa - Reprodução

Como é bom, mesmo com o mundo acabando, a gente rememorar aquele momento em que “familiaridade e susto” se misturam em um primeiro encontro ou uma vez que dançamos no escuro, meio bêbados, com alguém que sabíamos que seria especial para sempre.

Que saudade de ler sobre isso, de falar sobre isso. Ah, Bolsonaro! Ah, Covid! Sabiam que a gente, não faz muito tempo, sofria horrores de paixão e tesão? E que isso era terrível e maravilhoso? Que a gente podia morrer de tão insuportavelmente viva que se sentia? E não morria. Natalia, seu livro matou uma saudade gigantesca que eu tinha de mim e de tantas coisas sufocadas no meu corpo.

Mirela é bonita, bem-sucedida, interessante. (Natalia, ela é você, não é? Não gosto quando me fazem essa pergunta, mas agora sou eu aqui, pensando que estou mais nas mãos do seu livro do que tenho ele nas minhas.) Por que então se deixa enlouquecer e atormentar assim por Pedro, um cara provinciano que fala uns clichês (trepa bem, é doce, desajeitado e parece precisar de cuidados – quem nunca?) e, ao final de três meses intensos e entregues, desaparece sem nenhuma explicação?

Mirela manda infinitas mensagens e tenta de todas as formas entender o que está acontecendo. Tenta transar com outros homens. Tenta se reaproximar de Pedro através de um perfil falso em rede social. Tenta aparecer em sua casa sem avisar. Joga até Candy Crush com a avó do cara (eu ri demais). Persegue um desconhecido no metrô achando se tratar da sua obsessão. Vai a festas, carnavais, bares, sempre na esperança de encontrá-lo.

Li o livro de uma vez só e terminei exausta e extasiada com esse breve resumo de um longo período da minha vida amorosa. Mirela é louca? Somos loucas? Grifei tanto essa frase da autora que quase perfurei a página: “tantas vezes eu me vi sem controle; mas o controle é o que sobra de uma ligação quando o outro age como se ela nunca tivesse existido. Todos têm o direito de desistir a qualquer hora, todos podem retirar suas promessas. Mas isso é diferente de fingir que não foram feitas”.

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