Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tati Bernardi
Descrição de chapéu É Coisa Fina

'Trama de Meninos' é conjunto emocionante, trágico e impactante

Obra de João Carrascoza tem texto amarrado e imponente

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Um pai que está “grávido da esperança” de rever o jovem filho. Uma mãe que sofreria uma espécie de “parto às avessas” ao perder o seu menino em um acidente. Um tio que vislumbra no sobrinho um potencial escritor: “ele quer mais dessa comida, sinal de que esse mundo não lhe basta”.

Uma irmã que, ao cruzar a sala, não arrancava sequer um “gemido do assoalho”. Um garoto que observa os pais brigarem sem saber qual deles atirou a primeira “palavra- fósforo”. Um filho que nota as roupas da mãe recém- divorciada em uma sacola de feira (em vez de uma mala) para “disfarçar o nosso êxodo”.

Nos 14 contos de “Tramas de Meninos”, as relações podem parecer frágeis, “por um fio”, mas cada palavra escolhida pelo autor João Anzanello Carrascoza é imponente e bem amarrada, o que resulta em um conjunto emocionante, trágico e impactante.

São histórias de pais e filhos, irmãos, casais apaixonados, brigas e um certo exagero relacionado a mortes (aqui o livro chega a incomodar um pouco). A voz que sobressai nas narrativas, apesar da variedade de gêneros e idades, é a de um garoto abismado pelas finas tramas das relações humanas e que se diz “imaturo para a compaixão”.

Retrato do escritor João Anzanello Carrascoza
Retrato do escritor João Anzanello Carrascoza - Marcos Vilas Boas/Divulgação

Alguns contos são tão brilhantes que destoam de outros menos inspirados (que claramente servem de base para o entrelaçamento das histórias e talvez como fôlego para voos mais altos), mas apesar dessa irregularidade durante a leitura é possível colecionar frases-porrada como: “[...] quem espera jamais tomará o lugar de quem vai chegar”; “[...] um abraço ligeiro, os corpos a fugir um do outro, porque, quando estamos plenos de alguém, um simples abraço pode nos fazer transbordar, rompendo o equilíbrio alcançado, aflitivamente, graças aos vazios que a separação e os dias nos deixam”; “Boa noite, pai; Boa noite, filho; e era assim o reencontro, quase um nada, não fosse eu me sentar na poltrona da sala, no escuro, para ouvir o rumor de sua respiração —uma vida gerada por outra e que, então, em sentido inverso, também gerava a anterior”.

Em “Começo”, conto que abre o livro, um pai narrador já sente o vazio e a saudade do filho algumas horas antes de ele partir. Em “Últimas”, que encerra a obra, temos notícia, em terceira pessoa, de um outro pai (ou seria o mesmo? Ou seriam todos?), que é pego de surpresa quando o filho avisa que está indo vê-lo “agora”. Mas por que ele está demorando tanto? Todos os narradores, íntimos, pessoais, distantes, memorialistas, instantâneos, esperançosos ou sobreviventes, todos amam demais e por isso sofrem o tempo inteiro.

A sensação que fica após a leitura é que as coisas mais importantes da vida podem acabar na mesma velocidade que essas breves páginas.

'Trama de Meninos', João Anzanello Carrascoza, editora Alfaguara
'Tramas de Meninos', obra de João Anzanello Carrascoza, editora Alfaguara - Reprodução

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.