Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
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Pioneira do jornalismo investigativo, Nellie Bly relatou maus-tratos em manicômio no século 19

Para Nellie, era evidente que muitas das mulheres ali confinadas não eram loucas

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Nellie Bly se tornou uma estrela quando, em 1887, a pedido do jornal "New York World", passou dez dias internada no "asilo de lunáticos de Blackwell's Island". A experiência deu origem ao livro "Dez Dias num Hospício", no qual a pioneira do jornalismo investigativo narra a tortura física e psicológica a que as pacientes eram submetidas nesse local.

Xingamentos, agressões físicas, banhos gelados em água imunda e apenas uma vez por semana, roupas fedidas e maltrapilhas, falta de cobertores, janelas escancaradas em pleno inverno, comida intragável, escassa ou estragada e, em alguns casos contados à jornalista, enforcamentos e espancamentos que levavam à morte.

Para Nellie, era evidente que muitas das mulheres ali confinadas não eram loucas.

Histórias de esposas que "olhavam para outros homens" ou de senhoritas que estavam apenas passando por uma fase mais sensível e, em consequência disso, sofriam de crises nervosas.

O problema é que, uma vez presas no que Bly chamou de "ratoeira humana", várias delas acabavam por alucinar de verdade.

Para conseguir sua estadia no manicômio, a escritora teve que fingir demência em um abrigo temporário para moças, diante de um juiz e para alguns médicos.

Mas, ao chegar a Blackwell's Island, passou a exibir toda a sua sanidade e percebeu que as enfermeiras e os doutores, pouco interessados em ouvir as pacientes, seguiram acreditando, por preguiça, inaptidão e sadismo, em sua alienação invisível: "["¦] desde o momento em que entrei no hospício da ilha, não fiz nenhum esforço para me manter no suposto papel de louca ["¦] por incrível que pareça, quanto mais eu agia e falava com lucidez, mais louca me consideravam ["¦]".

Nellie Bly era o pseudônimo da jornalista Elizabeth Jane Cochrane, uma jovem que, na época das reportagens sobre o manicômio, tinha apenas 23 anos e não aguentava mais ser chamada para escrever "papo de mulherzinha".

Apesar da óbvia inquietação: "quem poderia garantir que a tensão de fingir loucura e ficar presa com um grupo de insanas não deformaria meu cérebro e eu nunca mais voltaria a ser a mesma?", aceitou a missão por acreditar que esse era um trabalho importante a ser feito e, em nome desse compromisso, passou fome e frio delirantes, sofreu com muitas provocações ofensivas e um quase afogamento e assistiu às colegas mais frágeis adoecerem irreversivelmente sob tanta desumanidade.

Como nos conta Patrícia Campos Mello na introdução da obra, as reportagens tiveram uma repercussão gigante, o que levou o governo de Nova York a aumentar os recursos para as instituições psiquiátricas, determinando também que apenas mulheres com distúrbios severos poderiam ser internadas. Ainda hoje sua contribuição para a luta antimanicomial é inegável.

Quando embarcou rumo à ilha dos alienados, a corajosa repórter sentia mais orgulho do que receio pela própria vida: "rumo ao hospício e à vitória!".

Se isso parece ousado até para os dias de hoje, lembrem que estamos falando do século 19.

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