Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Influenzer

Na tarde do dia 31, testei positivo para influenza e desconvidei as pessoas que viriam para minha casa

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Convidei 17 pessoas para a virada do ano na minha casa. Encomendei comida, fiz estoque de bebidas e comprei pratos e taças novos. Quando percebi o número 17, fiquei com medo de ser mau agouro. Dito e feito. Na tarde do dia 31, me senti mal e testei positivo para influenza. Desconvidei todo mundo, doei a comida e liguei para o meu ex-marido, que já estava no Rio de Janeiro (e bem arrumadinho para uma festa), pedindo que ele pegasse o primeiro avião para vir segurar minha testa enquanto eu vomitava minha febre de 39°C. Ele veio. E perguntou se eu faria o mesmo por ele. Bem, eu jamais estaria no Rio de Janeiro no Ano-Novo, muito menos arrumadinha para uma festa.

Se a febre tivesse demorado pouco mais de cinco horas para aparecer, eu teria dado o jantar e contaminado uma amiga grávida, um amigo diabético e uma turminha já beirando os 60 anos. Em vão, tentei por 120 horas aplacar uma enxaqueca insuportável com esse tipo de pensamento positivo.

joyfotoliakid / stock.adobe

Ainda na manhã do dia 31, antes de sentir minha imunidade levando uma porrada com um soco inglês, tomei café com Anna, a mesma que apareceu de biquíni na pista de dança (numa crônica anterior) e almocei com Isay. Estou desde então ligando diariamente para saber se os matei com meus perdigotos. Por sorte, só seguem doentes dos nervos.

Fiquei quatro dias de cama sentindo cada milímetro das minhas articulações lamentarem a própria existência. Era tanta dor no corpo que eu só levantava para fazer xixi quando a bexiga começava a doer mais do que pisar no chão e me movimentar até o vaso. Não digo que foi a pior gripe que eu já tive, porque em abril passado eu peguei Covid uma semana antes da data da minha primeira dose da vacina. O leitor desta coluna sabe bem: fiquei uns 20 dias imprestável, com pneumonia e risco de trombose.

Mas não pensem que, entre a Covid e a influenza, este corpinho não experimentou outras delícias virais deste Brasil. Depois de um ano com as crianças isoladas em casa, a volta às aulas trouxe toda uma gama desenfreada de micróbios malditos para os lares. Parabéns se o seu sistema respiratório passou ileso por essa novela catarrenta, mas aqui eu tive a bênção de pegar as 167 viroses da minha filha.

Contudo, a soma desses infortúnios não me causou a explosão de muco nasal que uma outra enfermidade, chamada "saudade da minha filha", vem me causando. Não bastasse o divórcio ser um lance complexo (que me deixou em estado eufórico-maníaco-libidinoso por 40 dias, mas agora me atirou num fundo do poço lamacento, silencioso e sobre-horrendo), ainda é preciso lidar com o fato de que o pai tem direito a metade das férias da criança.

Me curvo para beijar sua bicicletinha vermelha no meio da sala com a entrega vertebral de uma velha mãe italiana. Eu sou inteira uma poça de útero derretido. Eu ando pela casa chorando, assoando o nariz e exclamando "mamãe" bem alto para lembrar como é ouvir o dia todo alguém berrando "mamãe" pelos corredores. Ou talvez eu esteja apenas sofrendo tanto que comecei a gritar pela minha própria mãe. Nunca saberemos.

Enfim, é isso. E o que aprendemos hoje com esta influenzer? Parem de encontrar tantas pessoas (eu não consigo parar, porque tenho medo de piorar a depressão, mas vocês são melhores do que eu), usem máscara de verdade e não essas merdas de pano (às vezes eu ainda uso umas merdas de pano) e jamais atendam ao telefonema de uma ex-mulher quando estiverem no Rio de Janeiro, arrumadinhos para uma festa. Feliz 2022 e "Fora, Bolsonaro!"

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