Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Quem precisa de terapia?

'Será que Lili é suicida, sapatona e louca?'

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A mãe acha que é depressão, o pai acha que é coisa da idade. A mãe acha que o pai é um bostão sem opinião e que sobra tudo para ela resolver. O pai acha que a mãe é uma histérica insuportável, mas não fala nada, porque aprendeu com o pai e com o pai do pai que é melhor ficar quieto para não piorar a situação. Lili acha que "é assim e pronto".

Eles me pediram indicação de psicanalista, e a minha prima se recusou a ir. Minha tia foi no lugar dela e voltou para casa puta, pois o homem disse que ela não podia ter ido no lugar da filha à terapia da filha. E disse também que minha tia deveria procurar terapia para si mesma, pois estava precisando.

Minha tia ficou muito brava e ficou achando que analista é tudo maluco e ele, sim, é que precisava de terapia. Expliquei-lhe que todo terapeuta bom tem também um terapeuta bom, e ela disse que então essa merda não serve pra nada, pois se não resolve nem para os analistas, como é que vai resolver para os pacientes? 

Semanas depois, Lili piorou. Não queria comer, ficava trancada no quarto e rabiscava umas cabeças macabras em um caderno de desenho. O grande pavor da minha tia é "perder a filha" e por isso lê, escondida e compulsivamente, os diários, emails e todas as trocas de mensagens da minha prima. Ela tem todas as senhas da menina.​

Lili não sabe disso, mas o pai dela sabe e contou pra minha mãe, que me contou. Minha tia leu nas mensagens privadas de uma rede social a minha prima contando que tinha "pegado uma amiga". Meu tio ficou assustado e me pediu indicação de uma analista mulher, porque o analista homem não tinha conseguido nada. Bom, o que tinha para "conseguir" e como ele "conseguiria" se minha prima não foi à sessão? Meu tio não sabia.

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Indiquei uma psicanalista mulher e, no dia marcado, Lili se recusou a ir. Meu tio disse que ela precisava ir para entender "se é isso mesmo ou se ela tá de brincadeira".

Minha prima quis entender o que ele quis dizer com isso e meu tio disse que só falava se eles fossem juntos à "psicóloga". Então Lili, que é curiosa desde pequenininha, topou ir só para entender o que o pai estava querendo dizer com aquela frase misteriosa. E minha tia, porque não tem vida própria e acabou tratando as intimidades da filha como a nova temporada de algum seriado viciante da Amazon Prime, resolveu ir junto alegando estar preocupadíssima (ou não queria perder o episódio intitulado "Seria a Lili sapatona?").

A psicanalista, como eu já esperava, pediu que os pais ficassem do lado de fora, para que ela conversasse apenas com a minha prima. O pai se recusou, ele estava pagando (pela terapia ou pelo Amazon Prime?) e não aguentava mais esse negócio da filha trancada, emagrecendo, desenhando cabeças de olhos arregalados e"¦ Agora"¦ Com essa coisa que ele não sabia se era pra valer ou brincadeira, "e se fosse pra valer tudo bem, mas ele precisava saber".

A analista disse que não estava entendendo nada, e o pai disse que só explicaria se pudesse entrar, mas a analista não era curiosa como a menina (ou como o pai da menina? Ou como a mãe da menina?) e não deixou.

A mãe ficou dizendo, na sala de espera, que o pai era um panacão e que agora eles estavam ali, como dois idiotas, sem saber de nada (sem o seriado preferido deles da Amazon Prime justo no episódio "Será que Lili é sapatona, louca e suicida?"). Lili amou a terapeuta e vai voltar na semana que vem.

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