Debate teve falas misóginas e ausência de referência a mulheres negras, apontam especialistas

Evento teve como tema central o respeito às mulheres, assunto levantado pelas candidatas Simone Tebet e Soraya Thronicke

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São Paulo

O primeiro debate na TV entre candidatos à Presidência, na noite de domingo (28), teve falas misóginas e ausência de referência às mulheres negras, apontam especialistas.

No evento organizado por Folha, UOL e TVs Bandeirantes e Cultura, o tema central foi o respeito às mulheres. O assunto foi discutido principalmente pelas candidatas Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil), após um ataque do presidente Jair Bolsonaro (PL) à jornalista Vera Magalhães.

Para a cientista política Layla Pedreira de Carvalho, com exceção de Felipe d'Avila (Novo), todos os candidatos falaram sobre a importância de pensar a questão das mulheres, e esse foi um dos pontos positivos do evento. "O que deixa evidente que esse é um tema que precisa ser abordado", afirma.

Montagem com a fotografia dos candidatos à Presidência da República no primeiro debate na TV
Os candidatos à Presidência da República no primeiro debate na TV - Bruno Santos/Folhapress

No entanto, para Carvalho, Bolsonaro mostrou que tem dificuldade de entender a pauta. "Todos os comentários e as referências que ele fez foram muito deslocadas e violentas em larga medida", diz a cientista política. "É bastante anacrônico a forma como o presidente lida com essa questão."

Em uma de suas falas, Bolsonaro chegou a afirmar que as mulheres não devem ser defendidas só por serem mulheres e citou a primeira-dama Michelle Bolsonaro, a quem tem usado para atingir o eleitorado feminino.

Em outro momento, ao ser questionado por Tebet sobre o porquê ele tem raiva de mulheres, o atual presidente afirmou que a candidata o acusava sem prova. "Fui o governo que mais sancionou leis pelas mulheres. [...] Não cola mais. [...] Chega de vitimismo, somos todos iguais", disse.

Porém, dos 46 projetos sancionados durante seu mandato, nenhum foi de autoria do Executivo, e 6 propostas que beneficiavam as mulheres foram vetadas pelo mandatário, como a distribuição gratuita de absorvente a mulheres de baixa renda, mostrou uma reportagem do UOL.

Durante todo o governo, o atual presidente deixou claro que sua política para as mulheres é ser contra aborto, proibir as drogas e dar armas para as mulheres do campo.

Gabriela Souza, advogada e sócia da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, vai na mesma toada. "Temos um candidato [Jair Bolsonaro] misógino, que claramente despreza as mulheres, e é importante falar isso sem qualquer discurso ideológico político", afirma.

"Muito embora ele fale sobre o direito das mulheres, a gente sabe que ele menospreza feminicídio, menospreza a mulher. E isso vem carregado na fala dele ontem [domingo], na medida em que o único momento em que levanta a voz é contra uma jornalista mulher", diz Souza.

Para ela, os candidatos, de modo geral, ignoraram a pauta das mulheres, em um momento histórico em que há tantas violações dos direitos femininos, e isso é um fator que precisa ser observado.

Além do mais, a especialista chama a atenção para o fato da problemática de gênero ter sido levantada por duas mulheres. "Como se coubesse apenas a elas e não aos homens. Nós temos dois homens liderando as pesquisas que precisam apresentar pautas direcionadas ao gênero e de falar sobre isso", afirma.

Para Hannah Maruci Aflalo, doutoranda em ciência política na USP e diretora de A Tenda das Candidatas, o debate deixou claro que a questão das mulheres não é uma prioridade para os candidatos.

"Presenciamos [também] cenas dos homens candidatos competindo quem é mais machista. Vimos Ciro e Bolsonaro se acusando", afirma ela em referência ao momento em que o pedetista lembrou a fala da "fraquejada", enquanto Bolsonaro mencionou que Ciro já disse que a função de sua mulher era dormir com ele.

Outra questão levantada pelas especialistas foi a quase ausência de referências às mulheres negras —que compõem a maioria da população brasileira— durante o debate.

"Falou-se pouco sobre a especificidade da vivência das mulheres negras. É importante pensar sobre como a gente evolui a presença e a diversidade de pessoas no debate. E isso também vale para as pessoas que perguntaram, os jornalistas que estavam presentes. Também não havia mulheres negras nesse espaço", afirma Carvalho.

Para a cientista política Aflalo, em relação às políticas públicas para as mulheres não houve avanço nenhum nas propostas apresentadas no debate, e isso destaca que o assunto não é a prioridade.

Em relação à presença de duas mulheres no evento, Tebet e Thronicke, as especialistas avaliam ter sido positivo, mas um resultado ainda tímido para a pauta.

"Tebet me pareceu ter ido bem, respondendo com domínio a questões relacionadas aos direitos das mulheres, falou de violência física e sexual", afirma a advogada Gabriela Souza. Porém, a especialista aponta que essa questão deve ser uma preocupação de todos os presidenciáveis.

Em um momento do debate, os candidatos foram questionados se eles se comprometeriam a indicar mulheres para metade de seus eventuais ministérios, e Lula afirmou que não assumiria esse compromisso —enquanto Tebet declarou que assim o fará caso seja eleita.

O candidato do PT afirmou que indicará "as pessoas que têm capacidade para assumir determinados cargos". "O que não dá é para assumir o compromisso numericamente. [...] Não vou assumir compromisso, porque se não for possível passarei por mentiroso."

Para Carvalho, a fala do candidato "remonta à forma como historicamente as esquerdas têm lidado com esse debate em torno da representação dos grupos políticos minoritários."

Já Souza avalia que Lula precisa refletir sobre o ministério composto por 50% de mulheres. "Na medida que isso parece o mínimo", afirma.

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