Terra Vegana

Luisa Mafei é culinarista e professora de cozinha a base de vegetais

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Descrição de chapéu alimentação

Veganismo 100% centrado na causa animal é coisa do século passado

Que o leite derramado por minoria no primeiro mundo sirva de contra exemplo para nós, veganos

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No Reino Unido, ativistas veganos jogaram litros de leite no chão de supermercados em diferentes cidades. Fui acometida por uma profunda vergonha ao assistir os vídeos de jovens esvaziando garrafas e mais garrafas de leite de vaca, em pisos luxuosos de mercados de boutique em Londres.

Fiz um grande esforço de imaginação, mesmo assim, não consegui pensar numa única pessoa —e olha que conheço muitas pessoas veganas— que pudesse considerar tal protesto uma boa medida para alertar sobre as emergências climáticas e animais relacionadas aos nossos hábitos de consumo.

Em 2005, produtores jogaram leite fora depois de a Secretaria Estadual de Agricultura do Paraná interditar propriedades com animais apresentando sintomas da febre aftosa - Antônio Gaudério/Folhapress

A Animal Rebellion, que se define como um movimento por justiça climática e animal fundado em 2019, julga, no entanto, que esse desperdício seja necessário para fazer com que o governo britânico se comprometa com um "futuro baseado em plantas".

Se a intenção é boa, os meios são perversos. É por essas e outras que somos constantemente acusados de arrogância e de ingenuidade. E, se tem algum vegano na Terra que duvide disso, que se dê ao trabalho de perguntar o que foi que o espetáculo do leite derramado gerou além de raiva e indignação.

Parece óbvio mas, como aparentemente para alguns veganos não é, vale dizer: é impossível falar em justiça climática e animal sem falar em justiça social. E, num mundo onde 9,8% da população mundial passam fome, buscar o holofote por meio do desperdício intencional e calculado de comida é, no mínimo, frágil e incoerente.

Se considerarmos que as pessoas obrigadas a limpar a bagunça dos jovens letrados são provavelmente mulheres racializadas, imigrantes e periféricas, aí é que o leite fica azedo mesmo.

Que essa cena grotesca de uma minoria branca e bem-nascida no "primeiro mundo" possa ao menos servir de contra exemplo para nós veganos. Nossa luta por justiça animal não está acima de tudo. Dividimos com os animais o mesmo mundo que dividimos com mais de dois bilhões de pessoas que vivem em insegurança alimentar.

Tirar o bicho do prato só faz sentido num cenário global se pudermos colocar comida no prato dessas pessoas.

Não queremos que as pessoas comam menos animais —ou deixem de comê-los— apenas porque temos compaixão dos animais. O veganismo 100% centrado na causa animal, sem permeabilidade às questões sociais é coisa do século passado. E é por isso que não podemos atuar no campo do "vale tudo" para convencer as pessoas de que o futuro da alimentação precisa se enraizar nos vegetais.

Desejamos que as pessoas deixem os bichos do lado de fora do prato não apenas porque os animais comestíveis são explorados e submetidos a crueldades difíceis de narrar, mas também porque uma alimentação à base de vegetais é a mais eficiente em termos energéticos, ambientais e sociais.

Que no Brasil o nosso voto ajude a eleger um governo comprometido com o incentivo à agricultura familiar e orgânica, com a defesa dos nossos recursos florestais e hídricos. Já sabemos que não adianta chorar sobre o leite derramado.

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