Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Ao censurar comercial do BB, Bolsonaro mostra ter medo da diversidade; decisão vai na contramão do mercado

Homogeneizar campanhas publicitárias é incitar preconceito contra grupos que têm sido historicamente colocados em condição de invisíveis

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30 segundos. Este é o tempo total da campanha publicitária retirada do ar pelo dirigente do Banco do Brasil a pedido do presidente da República. 30 segundos mostrando apenas pessoas negras, LGBTs, de diferentes faixas etárias e classes sociais sorrindo (e abrindo uma conta bancária). 30 segundos que resultaram na demissão do diretor de marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim.

Homogeneizar campanhas publicitárias é incitar preconceito contra grupos que têm sido historicamente colocados em condição de invisíveis ou de não belos. O mercado e movimentos sabem disso. O presidente não.

Cena de comercial do Banco do Brasil, que foi tirada do ar
Cena de comercial do Banco do Brasil, que foi tirada do ar - Reprodução

Engana-se, no entanto, quem afirma que o motor da ação do presidente é apenas preconceito. Sustento que seja temor. Temor de estarmos caminhando a passos largos —no setor privado e na sociedade em geral— para um mundo que se orgulhe de sua diversidade.

Segundo estudo do Centro de Pesquisas Pew em 27 países no mundo, publicado nesta semana, 51% das pessoas no Brasil consideram a diversidade como algo positivo, e apenas 13% se declaram contrários a ela.

Campanhas publicitárias importam para promoção de representatividade. Negros, LGBTs, mulheres, pessoas com deficiência entre outros têm exigido com razão que seus corpos e suas visões estejam inseridas no que vemos, ouvimos e consumimos. A Lei 12.288 de 2010, conhecida como o Estatuto da Igualdade Racial, assim o exige.

Algumas empresas têm escutado tais demandas por mais diversidade, inclusive para o bem de suas imagens e bolsos.

Em 2015, a consultoria McKinsey estudou 366 empresas de capital aberto em diversos setores, no Canadá, América Latina, Reino Unido e Estados Unidos. A pesquisa concluiu que empresas com maior diversidade racial e étnica em geral estão “35% mais propensas a obter retornos financeiros acima da média nacional de seu setor.”

Em outras palavras, diversidade gera lucro por promover inovação. O Banco do Brasil sabe muito bem que precisa se mostrar diverso para a geração de jovens que hoje têm migrado para bancos digitais. Com a censura, o bolso do banco poderá perder.

Ademais, a intervenção do presidente da República na campanha publicitária do Banco do Brasil vai na contramão do crescente papel da diversidade no setor privado.

Mulher transexual faz selfie com o celular. No fundo, há uma parede com brilhos. Ela tem cabelos longos e pretos, pele clara e usa maquiagem dourara nos olhos
Cena do comercial veiculado desde o dia 14 pelo Banco do Brasil que saiu do ar a pedido de Bolsonaro - Reprodução

Iniciativas de diversidade abundam hoje no Brasil. Em 2018, o Ministério Público do Trabalho (MPT) lançou o Pacto pela Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho de São Paulo, congregando diferentes empresas de grande porte, inclusive o setor bancário. Outras iniciativas como a Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero, a Aliança Jurídica pela Equidade Racial, o Fórum LGBT de Empresas transbordam no setor privado brasileiro apesar dos desafios estruturais persistirem.

No que diz respeito à promoção da diversidade, o próprio setor bancário está a anos luz do presidente. Desde 2008, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades —CEERT, realiza um Censo de Diversidade, compilando dados sobre raça, etnia, orientação sexual, gênero, pessoas com deficiência em todo o setor bancário.

No setor bancário, avanços em diversidade têm sido consistentes. O último Censo de Diversidade Bancária mostrou que, entre 2008-2014, o número de funcionários negros(as) nos bancos cresceu 30% passando de 19,0% a 24,7% do total em 2014. Neste período o setor reduziu a diferença salarial entre negros(as) e brancos(as).

Em 2014, pela primeira vez, o Censo de Diversidade Bancária abarcou diversidade LGBT. Apenas 12,4% dos bancários não responderam a questão sobre orientação sexual. Entre os bancários em união estável ou casados com pessoa do mesmo sexo, 38,4% deles escolheram incluir formalmente o(a) companheiro(a) como dependente, uma parcela considerável. Tais dados demonstram a baixa rejeição no setor bancário a direitos LGBTs. O setor bancário planeja outro Censo de Diversidade para este ano.

Bolsonaro teme que seu discurso polarizador, construído sob a lógica da maioria vs. minoria e do nós vs. eles, esteja perdendo força rapidamente.

Iniciativas de diversidade, embora não enfrentem questões estruturais de desigualdade, apontam para um mundo onde perderá relevância quem –como o presidente– faz da incitação ao preconceito plataforma política.

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