Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Thiago Amparo

Notas de repúdio não impedirão nossa morte

Urge impedir presidente de consolidar necropolítica

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Ditar os rumos da morte é o exercício supremo do poder a que o bolsonarismo aspira. É fazer uma revolução e matar ao menos 30 mil. É demitir o ministro da Saúde porque a “linha dele, como médico, era voltada quase exclusivamente para a vida.” É dançar, com frieza, sobre os 2.462 corpos deixados pelo Covid-19 até agora. “Alguns vão morrer, lamento, essa é a vida."

É atirar do helicóptero policial sobre as favelas cariocas. É permitir que jovens negros sejam pisoteados em Paraisópolis. É fazer com que pobres pereçam em longas filas à espera da renda básica que se dependesse do governo nem existiria. Mortos em vida.

É postar foto de atiradores gritando “Bolsonaro!” enfileirados contra um inimigo comum: todos nós. É facilitar que o crime organizado tenha acesso a munições e armamentos extraviados das Forças Policiais.

Deus do bolsonarismo é a morte.

É por isso que bolsonarismo repudia direitos humanos. Porque lembra a eles o valor da vida. “A expressão máxima de soberania reside, em larga medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode e quem não pode viver”, escreveu certa feita Achille Mbembe ao definir necropolítica. Bolsonarismo joga fora, junto com seu gozo necrófilo, as possibilidades de vivência democrática. Assassina a própria possibilidade da vida.

Diante do horror, vai passar nessa avenida Brasil uma marcha fúnebre. Passará repleta de arrependidos insinceros. Passará o Exército que celebra o golpe de 1964, e se cala sobre o outro golpe que o presidente engendra entre uma tosse e outra no Dia do Exército.

Passarão os falsos profetas que arrogam ao presidente a imagem de messias. Passarão o Congresso Nacional e Rodrigo Maia inundados sob notas de repúdio inúteis. Nem salvarão a República nem expiarão a culpa que lhes cabe neste necrotério, por ter contribuído para que o abjeto se sentasse à cadeira presidencial.

Bolsonarismo se alimenta da carnificina do conflito político. Emprega na prática a lógica de Carl Schmitt segundo o qual a política se definiria pela diferenciação entre amigo e inimigo. Deu no que deu e no que continua dando.

Se as forças políticas, à direita e à esquerda, não formularem caminhos que nos façam sair desta encruzilhada, o que nos resta é a morte de milhares pela pandemia, a viral e a política. Cabe àqueles que se chamam de políticos protegerem o que resta de nossa pólis sem a qual o próprio exercício da política democrática se torna impossível.

Às ditas instituições, cabe a guarda da vida democrática. Seja a vida literal, estraçalhada pelas balas vindas de helicópteros policiais. Cabe ao STF por fim a esta prática genocida ao concluir o julgamento da ADPF Favelas pela Vida, em pauta na corte. Seja a vida política, sufocada pelas mãos do bolsonarismo que prega abertamente a morte. Cabe ao Congresso julgar, dentro da lei, as dezenas de crimes de responsabilidade do presidente.

É hora da democracia proteger a si mesma de sua morte anunciada. Anunciada desde o primeiro dia em que alguém gritou “intervenção militar” e outro o aplaudiu. Anunciada, mas não inevitável.

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