Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus

Pazuello, o Zé Gotinha com fuzil

Saída do ministro não se dará pelas mortes causadas por sua inépcia, e sim por 2022

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Nada como uma imagem para sintetizar o atual estado das coisas. O governo do capitão na Presidência miliciou até o Zé Gotinha, visto agora com um fuzil. Sob este sincretismo macabro está a ideia, equivocada, de que pandemia seria uma guerra. Se metralharmos para todos os lados, ganhamos. Não é. Pandemia exige concertação, não conflito; exige planejamento, não avacalhação. Pazuello, como os demais militares no governo federal, foi fiador do desastre no combate à pandemia.

Pazuello, se e quando sair, deixará o cargo humilhado: passou 11 meses vendo o seu chefe mentir dizendo que o STF o impediu de combater a pandemia, desdenhar da vacina e produzir um antagonismo entre economia e saúde —como era de se esperar, nos países que reagiram mais rápido à pandemia o PIB caiu menos. Fora os desvarios do chefe, há na conta própria de Pazuello uns outros tantos erros crassos, e não só de confundir Amazonas com Amapá.

Se confirmada sua saída, Bolsonaro ou usará a oportunidade para agraciar o centrão, de que precisa para 2022, ou colocará no lugar alguém técnico como a cardiologista Ludhmila Hajjar, para dar verniz de normalidade a um país cansado de solavancos. Seja um, seja outro, a saída do ministro não se daria pelas mortes causadas por sua inépcia, e sim por 2022 e por termos, agora, uma oposição reforçada. O segredo do fator Lula é que a nação está exausta da revolução de ultradireita que morreu na praia e levou junto outras 278 mil vidas. A nação assistiu a Lula ter voz, rosto, discurso e serenidade de um presidente.

O que muito provavelmente o Brasil precisa para tirar Bolsonaro é Lula, o centrista, numa frente ampla. A dúvida é quão ampla será. Não se sabe se a direita e a centro-direita serão integralmente fiéis, de novo, ao bolsonarismo, como em 2018, ou se irão, ao menos em parte, abandonar o barco da inépcia que Bolsonaro representa. Pela centro-esquerda, com Ciro Gomes e Marina Silva, há muitos desafetos e ponteiros a acertar, mas o compromisso destes com o anti-bolsonarismo é evidente.

Para sobreviver, no entanto, aos desafios do século presente, talvez necessitemos do Lula, o radical, não no sentido pejorativo ou anos 1980 da palavra, mas literal: aquele que enfrente na raiz as contradições do nosso tempo, mesmo que navegando-as. É entender que o lulismo 2.0 enfrenta uma nova realidade, como o trabalhismo em boa parte do mundo: o chão de fábrica, hoje, é o aplicativo de entrega num país com 39,9 milhões de brasileiros informais em 2020. Entender que renovação dos quadros políticos é urgente, senão o culto à personalidade morrerá sem as gerações que podem carregar o fardo.

É entender que necropoliciamento é dor de pessoas pretas reais que compõem a maioria deste país e que merece ser enfrentado nacionalmente com uma reforma policial; que desenvolvimento não pode passar por cima de indígenas e que clima não é floreio, mas sobrevivência. É entender, inclusive, que corrupção não é só esperneio de direitistas com super-salários pagos pelo Estado, mas também os entrelaces escusos entre o público e o privado.

Democracia é normal, excepcional e radical, tudo ao mesmo tempo. Normal porque nos acostumamos a viver sob a normalidade da polarização dos anos 1990 e 2000. Excepcional, porque basta um caveirão invadir literalmente a nossa casa que lembramos que a depender de seu CEP o autoritarismo é a regra. Radical, posto que luta constante. Se concorrer e se ganhar (dois grandes “se”), fará bem ao Lula centro reencontrar o Lula radical, não aquele pouco pragmático, mas o que usa o pragmatismo pra mudar o país. Enquanto isso, seguimos com o Zé Gotinha de fuzil.

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