No Supremo Tribunal Federal, há casos difíceis e há casos fáceis que tornamos difíceis. O habeas corpus em que se discute abordagens policiais e racismo, ora em julgamento na corte, cai na segunda categoria.
Se o STF limpar o que turva seu olhar no caso (a saber, interpretações equivocadas sobre questões raciais no país), verá que a questão jurídica é, ao menos legalmente, simplória e quiçá até entediante: a lei que impõe o critério de "fundada suspeita" para abordagem policial vale em abordagens para pessoas negras ou não? Eis a questão.
Nem o placar (3 a 1, a favor da subjetividade nas abordagens) nem a argumentação dos ministros animam a quem se aventura a assistir ao julgamento. Equívocos precisam ser endereçados a tempo.
Erro 1: se o Supremo reconhecer a existência de perfilamento racial, estaria dizendo que policiais cometem crime de racismo. Errado: o argumento confunde racismo institucional (como a polícia opera) com eventual tipificação penal (se houve ou não crime de racismo); as duas coisas são separadas e não se anulam. Confundi-las turva o debate.
Erro 2: reconhecer ilegalidade do perfilamento racial implicaria um salvo-conduto para cometer crimes de drogas. Errado. Primeiro, o argumento ignora a relação entre abuso policial e guerra às drogas, vasta na literatura. Segundo, o argumento pressupõe que um Estado de Direito apenas consegue combater drogas com abuso policial —é o argumento consequencialista que, no limite, justificaria a tortura. Terceiro, a cor nunca foi um salvo-conduto, basta ver a cor de quem é morto pela polícia e quem lota prisões por um grama de droga.
Erro 3: o caso é sobre polícia. Errado. O caso é sobre o Judiciário, ou melhor: sobre a omissão judicial de fiscalizar se o requisito legal de fundada suspeita é respeitado pela polícia.
O Supremo tem a chance de dizer se há dois códigos penais no país a depender de sua cor: até agora está dizendo que há.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.