Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Declaração de Biden sobre democracia em Israel pode energizar oposição a Netanyahu

Premiê israelense tenta aprovar proposta de reforma do Judiciário e é alvo de críticas e protestos

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Acordei na manhã do sábado e li a notícia vinda de Israel de que pelo menos 50 mil israelenses haviam acabado de promover um novo protesto contra os planos do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de privar a Suprema Corte israelense de sua independência e em vez disso submetê-la ao controle do premiê —isso num momento em que o próprio Netanyahu encara acusações criminais de corrupção.

E me coloquei uma pergunta simples: "O que o presidente Joe Biden pensa disso?".

Biden é tão pró-Israel em seu íntimo quanto qualquer outro presidente sobre o qual já escrevi. E tem um relacionamento longo com Netanyahu, caracterizado pelo respeito mútuo. Por isso mesmo, posso afirmar que qualquer coisa que Biden tenha a dizer sobre Israel é motivada por preocupação real.

É a preocupação de que a transformação radical do Judiciário israelense que a coalizão ultranacionalista e ultrarreligiosa de Netanyahu está tentando fazer aprovar no Knesset possa prejudicar gravemente a democracia de Israel e, logo, suas relações estreitas com os EUA e com democracias em todo o mundo.

Manifestantes se reúnem na frente do Parlamento de Israel, em Jerusalém, para protestar contra proposta de reforma do Judiciário
Manifestantes se reúnem na frente do Parlamento de Israel, em Jerusalém, para protestar contra proposta de reforma do Judiciário - Ahmad Gharabli/AFP

Este é o comunicado que Biden me mandou na tarde de sábado, quando pedi um comentário: "A genialidade da democracia americana e da democracia israelense é que ambas são erguidas sobre instituições fortes, freios e contrapesos, Judiciário independente. Construir consensos para mudanças fundamentais é importante para assegurar a adesão do povo a elas, para que possam ser sustentadas".

É a primeira vez da qual me recordo que um presidente americano manifesta sua opinião sobre uma questão israelense interna relativa ao próprio caráter da democracia do país. E, embora seja expressa em apenas 46 palavras, a declaração de Biden chega em um momento crucial nesta discussão interna israelense altamente divisiva e pode muito bem energizar e ampliar a oposição já significativa a algo que os adversários de Netanyahu estão caracterizando como um golpe legal que vai incluir Israel no grupo de países que vêm se afastando da democracia, como Turquia, Hungria e Polônia.

Veja por que as 46 palavras de Biden são tão importantes. Em primeiro lugar, elas o situam inequivocamente a favor da abordagem pedida pelo presidente de Israel, Isaac Herzog —e inequivocamente a favor de conservar a independência do Judiciário israelense, altamente respeitado.

A Presidência israelense é um cargo em grande medida simbólico, mas que carrega autoridade moral. Herzog é um homem bom que vem se esforçando para evitar o que receia que possa ser a disputa civil mais séria já vista na sociedade israelense, se for aprovada à força uma mudança tão grande no sistema judiciário, inspirada em parte por um think tank israelense de extrema direita.

Herzog implorou a Netanyahu e a sua coalizão que recuem e organizem alguma espécie de diálogo nacional amplo que possa estudar com paciência que tipo de alterações judiciais seriam sadias para o país, mas que o faça em conjunto com juristas, de maneira não partidária e de modo que preserve a integridade do sistema judicial que existe desde a fundação de Israel.

Infelizmente, Netanyahu rejeitou a proposta do presidente israelense, levando Herzog a declarar a respeito da chamada reforma judiciária, em 24 de janeiro: "As bases democráticas de Israel, incluindo o sistema de Justiça, os direitos e as liberdades humanos, são sagradas. Precisamos protegê-los e proteger os valores expressos na Declaração de Independência. A reforma súbita e ampla, quando efetuada rapidamente e sem negociações, suscita oposição e receios profundos entre a população".

E acrescentou: "A ausência de diálogo está nos dilacerando internamente. Estou lhes dizendo em alto e bom tom: este barril de pólvora está prestes a explodir. Esta é uma emergência".

Com as 46 palavras de Biden, Netanyahu agora se vê em uma situação na qual, se seguir adiante com seus intentos, não apenas estará passando por cima do presidente de Israel —estará passando por cima do presidente dos EUA também. Não é pouca coisa. Desconfio que o fato de Biden assumir uma posição sobre essa questão de maneira comedida, mas inconfundível, incentivará outros líderes democráticos ocidentais, empresários, senadores e deputados dos EUA a fazer o mesmo, e isso energizará a oposição.

A segunda razão pela qual as palavras de Biden têm importância é o timing. Como divulgou o Times of Israel no sábado, a primeira leitura de alguns dos aspectos mais controversos da reforma de Netanyahu "está marcada para esta segunda; um projeto de lei precisa ser aprovado em três leituras para virar lei, e a coalizão já indicou que quer acelerar a passagem da legislação pelo Knesset até abril".

Os líderes da oposição convocaram uma greve nacional de trabalhadores nesta segunda e um protesto de massa diante do Knesset para coincidir com as primeiras rodadas de votação. Pode apostar que não serão poucos os manifestantes que estarão citando as palavras de Biden quando saírem às ruas.

Em terceiro lugar, Biden posicionou-se e posicionou a América inequivocamente do lado da maioria israelense que é contra Netanyahu simplesmente aprovar sua "reforma" à força, algo que se parece cada vez mais com um putsch judicial. Por fim, o que Biden fez vai acrescentar credibilidade à voz dos EUA no apoio à democracia globalmente. Sua posição afirma que os EUA se manifestam não apenas quando a China sufoca a democracia em Hong Kong. Nós nos manifestamos quando vemos a democracia ser ameaçada em qualquer lugar. Os EUA têm frequentemente criticado os abusos de direitos humanos cometidos por Israel em seu tratamento dos palestinos na Cisjordânia ocupada. Mas nenhum presidente americano em minha memória jamais se manifestou publicamente contra alterações propostas ao caráter democrático do Estado israelense —isso porque nenhum jamais precisou, até algumas semanas atrás.

Se a mensagem de Biden não tiver ficado clara para a coalizão de Netanyahu, tentarei explicitá-la da maneira mais simples que consigo: os EUA têm apoiado Israel desde sua fundação, militarmente, diplomaticamente e com bilhões de dólares em assistência, mas não porque Israel compartilha nossos interesses. Isso nem sempre acontece. Israel se mantém neutro entre a Ucrânia e a Rússia, é indiferente às violações de direitos humanos no Egito e na Arábia Saudita, e empresas israelenses às vezes vendem tecnologias de defesa à China, o que é muito preocupante para o Pentágono. Temos dado tanto apoio a Israel desde sua fundação porque acreditamos que Israel compartilha nossos valores.

O mesmo ocorre com os defensores de Israel nos EUA. Sempre que os EUA criticam Israel pelo tratamento brutal dado aos palestinos, Israel e seus apoiadores na América são os primeiros a recordar à Casa Branca que Israel é diferente —não porque promove eleições (Egito e Síria também o fizeram), mas porque Israel, argumentam, é a única democracia no Oriente Médio, com instituições democráticas fortes, além de ser o único país da região com Judiciário independente e imprensa livre.

Portanto, Israel nos diz com frequência, se ele pratica alguns abusos de direitos humanos contra palestinos no contexto de uma guerra em curso, deveríamos relevar. Com suas 46 palavras, Biden está dizendo a Israel que nosso relacionamento nunca foi realmente baseado em interesses compartilhados, mas sobre valores compartilhados. É por isso que dura há tanto tempo, mesmo quando discordamos quanto a nossos interesses. Com sua declaração simples, Biden está indicando que, não importa o que faça, Israel não deve abandonar esses valores compartilhados.

Caso contrário, estaremos em um mundo totalmente novo.

Tradução de Clara Allain

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