Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Thomas L. Friedman
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Entenda como a guerra Israel-Hamas ao mesmo tempo é três

Obstáculos para acabar com todas elas são campanha contra a ANP, Netanyahu como premiê e sua coalizão de extrema direita

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A razão pela qual a guerra Hamas-Israel pode ser difícil de entender para os estrangeiros é que três guerras estão acontecendo ao mesmo tempo: uma guerra entre judeus israelenses e os palestinos exacerbada por um grupo terrorista, uma guerra dentro das sociedades israelense e palestina sobre o futuro, e uma guerra entre o Irã e seus prepostos e os Estados Unidos e seus aliados.

Mas antes de nos aprofundarmos nessas guerras, aqui está a coisa mais importante a ter em mente sobre elas: há uma fórmula única que pode maximizar as chances de que as forças da decência possam prevalecer em todas as três. É a fórmula que eu acredito que o presidente Joe Biden está defendendo, mesmo que ele não possa explicá-la publicamente agora —e todos nós devemos defendê-la com ele.

Você deve querer que o Hamas seja derrotado; que o maior número possível de civis palestinos na Faixa de Gaza seja poupado; que o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e seus aliados extremistas sejam afastados; que todos os reféns sejam libertados; que o Irã seja dissuadido; e que a Autoridade Palestina na Cisjordânia seja revitalizada em parceria com os Estados árabes moderados.

Soldado de Israel se posiciona em janela de prédio destruído na Cidade de Gaza
Soldado de Israel se posiciona em janela de prédio destruído na Cidade de Gaza - Mahmud Hams - 25.nov.23/AFP

Preste atenção especial a esse último ponto: uma Autoridade Palestina reformulada é a peça-chave para que as forças de moderação, coexistência e decência triunfem em todas as três guerras. É a peça-chave para reviver uma solução de dois Estados. É a peça-chave para criar uma base estável para a normalização das relações entre Israel, Arábia Saudita e o mundo árabe-muçulmano mais amplo. E é a peça-chave para criar uma aliança entre Israel, árabes moderados, Estados Unidos e Otan que possa enfraquecer o Irã e seus prepostos Hamas, Hezbollah e os houthis —todos eles sem boas intenções.

Infelizmente, como relatou o correspondente militar do Haaretz, Amos Harel, Netanyahu "está preso pela extrema direita e pelos colonos, que estão travando uma guerra total contra a ideia de qualquer envolvimento da Autoridade Palestina em Gaza, principalmente por medo de que os EUA e a Arábia Saudita explorem tal movimento para reiniciar o processo político e pressionar por uma solução de dois Estados de uma maneira que exigirá que Israel faça concessões na Cisjordânia". Portanto, Netanyahu, "sob pressão de seus parceiros políticos, proibiu qualquer discussão sobre essa opção".

Se Netanyahu é um prisioneiro de sua direita política, Biden precisa ter muito cuidado para não se tornar um prisioneiro de Bibi. Essa não é a maneira de vencer essas três guerras de uma vez.

A primeira e mais óbvia das três é a mais recente rodada da batalha centenária entre dois povos —judeus e palestinos— pela mesma terra, mas agora com uma reviravolta: desta vez, o lado palestino não está sendo liderado pela Autoridade Palestina, que desde Oslo tem se comprometido a alcançar uma solução de dois Estados com base nas fronteiras que existiam antes da guerra de 1967. Está sendo liderado pelo Hamas, uma organização dedicada a erradicar qualquer Estado judeu.

Em 7 de outubro, o Hamas embarcou em uma guerra de aniquilação. Os únicos mapas que eles carregavam não eram de uma solução de dois Estados, mas de como encontrar a maior quantidade de pessoas nos kibutzim israelenses e matar ou sequestrar o maior número possível delas.

Embora eu não tenha dúvidas de que pôr fim ao domínio do Hamas em Gaza —algo pelo qual todos os regimes árabes sunitas, exceto o Qatar, estão silenciosamente torcendo— seja necessário para dar esperança tanto aos palestinos em Gaza quanto aos israelenses para um futuro melhor, todo o esforço de guerra de Israel será deslegitimado e se tornará insustentável a menos que Israel possa fazê-lo com muito mais cuidado em relação aos civis palestinos.

A invasão do Hamas e a apressada contra-invasão israelense estão desencadeando um desastre humanitário em Gaza que apenas enfatiza o quanto Israel precisa de um parceiro palestino legítimo para ajudar a governar o território na manhã seguinte.

A segunda guerra, muito relacionada à primeira, é a luta dentro das sociedades palestina e israelense sobre suas respectivas visões de longo prazo.

O Hamas argumenta que esta é uma guerra étnico-religiosa entre os palestinos, principalmente muçulmanos, e os judeus, e seu objetivo é um Estado islâmico em todo o território palestino, desde o rio Jordão até o mar Mediterrâneo. Para o Hamas, é vencer ou nada.

Há uma imagem espelhada das visões extremistas do Hamas no lado israelense. Os colonos supremacistas judeus representados no gabinete de Netanyahu não fazem distinção entre os palestinos que abraçaram Oslo e aqueles que abraçam o Hamas. Eles veem todos os palestinos como descendentes dos amalequitas dos tempos modernos. Como explicou a revista Mosaic, os amalequitas eram uma tribo de saqueadores do deserto mencionada frequentemente na Bíblia, que habitava a região do norte do Negev, perto da Faixa de Gaza, e vivia de pilhagens.

Em cada comunidade, no entanto, também existem aqueles que veem essa guerra como um capítulo em uma luta política entre dois Estados-nação, cada um com uma população diversa que acredita, teoricamente, que a guerra não precisa ser uma disputa de "vencedor leva tudo". Eles imaginam uma divisão da terra em um Estado palestino com muçulmanos e cristãos —e até mesmo judeus— na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental, que coexiste pacificamente ao lado de um Estado israelense com sua própria mistura de judeus, árabes e drusos.

Esses defensores da solução de dois Estados estão atualmente na defensiva em ambas as comunidades em sua luta contra os defensores da solução de Estado único. Portanto, é do maior interesse dos Estados Unidos e de todos os moderados trazer de volta a alternativa de dois Estados. Isso exigirá uma Autoridade Palestina revitalizada, livre de corrupção e incitação antissemita em seus livros escolares, e que tenha forças governantes e de segurança confiáveis. É aqui que países como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita, juntamente com os EUA, devem se envolver imediatamente.

Qualquer solução de dois Estados no futuro é impossível sem uma Autoridade Palestina credível e legítima, na qual Israel confie para governar uma Gaza pós-Hamas e uma Cisjordânia. Mas isso não requer apenas o consentimento de Israel, também requer que os palestinos se organizem. Eles estão à altura disso?

A vitória na terceira guerra também é impossível sem isso. Essa terceira guerra é a que mais me assusta.

É a guerra entre o Irã e seus prepostos —Hamas, Hezbollah, houthis e milícias xiitas no Iraque— contra os EUA, Israel e os Estados árabes moderados como Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein.

Essa guerra não é apenas sobre hegemonia, poder bruto e fontes de energia, mas também sobre valores. Israel, em seu melhor momento, e os EUA, em seu melhor momento, representam a promoção de conceitos humanísticos ocidentais de empoderamento das mulheres, democracia multiétnica, pluralismo, tolerância religiosa e Estado de Direito —que são uma ameaça direta à teocracia islâmica misógina do Irã, que demonstra diariamente sua disposição implacável de prender ou até mesmo matar mulheres iranianas por não cobrirem adequadamente seus cabelos.

E embora os aliados árabes de EUA e Israel não sejam democracias —e não aspirem a ser—, seus líderes estão todos em uma jornada longe do antigo modelo de construir legitimidade por meio da resistência —a Israel, aos Estados Unidos, ao Irã e aos xiitas apoiados pelo Irã— e em direção à construção de sua legitimidade fornecendo resiliência para todas as suas pessoas (por meio da educação, habilidades e crescente conscientização ambiental) para que possam realizar seu pleno potencial.

Esta não é a agenda do Irã. A dimensão do poder bruto é sobre quem será a potência hegemônica na região —o Irã xiita, ligado à Rússia e estendendo sua influência a Iraque, Síria, Líbano e Iêmen, ou a Arábia Saudita, dominada pelos árabes sunitas, em uma aliança tácita com Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Egito e Israel, todos apoiados por Washington. Nessa terceira guerra, o objetivo do Irã é expulsar os EUA do Oriente Médio, destruir Israel e intimidar os aliados árabes sunitas do americanos, dobrando-os à sua vontade.

Nessa guerra, os EUA estão projetando seu poder por meio de dois grupos de porta-aviões estacionados no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã está nos enfrentando com o que chamo de "porta-aviões terrestres" —uma rede de prepostos em Líbano, Síria, Gaza, Cisjordânia, Iêmen e Iraque que servem como plataformas para lançar ataques de foguetes contra as forças dos EUA e Israel tão letais quanto os dos porta-aviões americanos.

Essa terceira guerra começou a se intensificar em 14 de setembro de 2019, quando o Irã lançou um audacioso ataque de drones não provocado contra duas importantes instalações de processamento de petróleo da Saudi Aramco. O governo Trump não fez nada. "Aquilo foi um ataque à Arábia Saudita, e não foi um ataque a nós", disse o republicano.

Em 17 de janeiro de 2022, a milícia houthi do Iêmen, alinhada ao Irã, atacou os Emirados Árabes Unidos com mísseis e drones, provocando um incêndio perto do aeroporto de Abu Dhabi e causando explosões em caminhões de combustível que mataram três pessoas. Novamente, nenhuma resposta dos EUA.

Portanto, não deve ser surpresa que em 7 de outubro, o Hamas ousou lançar seu ataque assassino na fronteira ocidental de Israel; logo depois, o Hezbollah, preposto do Irã, começou ataques diários de mísseis ao longo da fronteira norte de Israel; e os houthis começaram a lançar drones na ponta sul de Israel, ao mesmo tempo em que apreendiam um navio no Mar Vermelho e atacavam outros dois.

Acredito que o estrangulamento que o regime clerical do Irã, que odeia judeus, está impondo a Israel por oeste, norte e sul é uma ameaça existencial ao país. Tudo o que o Irã precisa é fazer com que o Hamas, o Hezbollah e os houthis lancem um foguete por dia contra Israel, e dezenas de milhares de israelenses se recusarão a voltar para suas casas ao longo dessas áreas de fronteira que estão sob fogo. O país encolherá —ou piorará.

Considere a pesquisa do economista israelense Dan Ben-David, que lidera a Instituição Shoresh de Pesquisa Socioeconômica na Universidade de Tel Aviv. Em um país de 9 milhões de pessoas, onde 21% dos alunos do primeiro ano em Israel são judeus ultraortodoxos, a grande maioria dos quais cresce sem educação secular, e outros 23% são árabes-israelenses, que frequentam escolas públicas cronicamente mal financiadas e com pessoal insuficiente, Ben-David observou que "menos de 400 mil indivíduos são responsáveis por manter Israel no mundo desenvolvido".

Estamos falando dos principais pesquisadores, cientistas, técnicos, especialistas em cibersegurança e inovadores israelenses que impulsionam a economia e as indústrias de defesa da nação das startups. Hoje, a maioria deles está altamente motivada e apoiando o governo israelense. Mas se Israel não puder manter fronteiras estáveis ou rotas de navegação, alguns desses 400 mil deixarão o país.

Se o Irã sair impune disso, seu apetite por sufocar qualquer rival com seus porta-aviões terrestres só aumentará. Israel pode travar uma forte luta e é capaz de atacar profundamente o Irã. Mas, em última análise, para quebrar o estrangulamento cada vez mais apertado do Irã, Israel precisa de aliados dos EUA da Otan e dos Estados árabes moderados. E os EUA, a Otan e os Estados árabes moderados precisam de Israel.

Mas essa aliança não se formará se Netanyahu continuar com sua política de minar a Autoridade Palestina na Cisjordânia —essencialmente levando Israel e seus 7 milhões de judeus a controlar indefinidamente 5 milhões de palestinos em Gaza e na Cisjordânia. As forças pró-americanas na região e o próprio Biden não podem e não serão cúmplices disso.

Então, termino onde comecei. Só que agora espero que três coisas fiquem totalmente claras:

1. A pedra fundamental para vencer as três guerras é uma Autoridade Palestina moderada, eficaz e legítima que possa substituir o Hamas em Gaza, ser um parceiro ativo e credível para uma solução de dois Estados com Israel e, assim, permitir que a Arábia Saudita e outros Estados árabes muçulmanos justifiquem a normalização das relações com o Estado judeu e isolem o Irã e seus prepostos.

2. Os antipilares são o Hamas e a coalizão de extrema direita de Netanyahu, que se recusa a fazer qualquer coisa para reconstruir, quanto mais expandir, o papel da Autoridade Palestina.

3. Israel e seu apoiador americano não podem criar uma aliança regional pós-Hamas sustentável ou estabilizar permanentemente Gaza enquanto Netanyahu reinar como primeiro-ministro de Israel.

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