Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

As gírias e os ditos do povo baiano no Carnaval e pelas ruas de Salvador

É tão importante termos orgulho por nossa terra e nossa cultura

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Lendo um trecho do conto "Assombramento", do livro "Pelo Sertão", clássico escrito pelo mineiro Afonso Arinos, deparei-me com a expressão "chascos de mofas". No vocabulário nordestino, segundo Caldas Aulete, tem a ver com "zombaria" e "caçoada", chiste.

Estou na Bahia, precisamente na cidade de Salvador, e fiquei pensativo sobre a riqueza do nosso regionalismo e o quanto a nossa língua portuguesa tem suas dimensões de encanto.

Aqui mesmo, não só pelas casas, entre famílias soteropolitanas, mas pelas ruas, ouvimos muitas expressões não comuns a ouvidos que vivem pelos eixos urbanos do Rio de Janeiro e São Paulo. Ontem, no centro de Salvador, em plena ferveção da folia, um sujeito gritou para o outro: "Bora comer água?".

Um dos homens tinha em uma das mãos um fuste roliço de madeira com o qual tirava som de uma espécie de tambor, acompanhado do amigo. Ambos com roupas coloridas –sobressaindo o vermelho em forma de tiras que lhes caíam sobre os ombros—, deram a palrear pela avenida, apinhada de gente, gente de todo tipo e cor, tamanho e forma, mas uniformizada na aparência carnavalesca e na alegria de vozes estrepitosas e risadas altas, que só não parelhavam com o som da zabumba que espocava do trio elétrico, este sim, o verdadeiro senhor da festa.

Carnaval em Salvador no circuito Barra/Ondina, em 2020 - Manu Dias/GOVBA

Então, "comer água", aqui na Bahia, para bom entender, tem significado de "encher a cara de cachaça", mas não exatamente de pinga, aguardente, coisas que tais, mas associado à cerveja. No calor baiano, ouve-se muito "comer água o Carnaval inteiro", nas praias, nos blocos, no encontro da rapaziada alegre.

É muito comum, já na saída do aeroporto da capital, o motorista lhe mandar, sem nunca lhe ter visto na vida: "E aê, meu rei!", como se dissesse "Olá, amigo!" ou "Colé, meu bródi!", que significa também "Olá, meu irmão!".

Aqui a expressão "Ôxe" é bem usada ou "Pega a visão" e ainda "Massa". "Ôxe" é diminutivo de "Ôxente", tem correlação com o "Uai" de Minas Gerais e o "Bah" dos gaúchos, que eu ouvi muito quando, em 2018, estive na FestiPoa –Festa Literária de Porto Alegre, onde conheci Jeferson Tenório, já muito aplaudido pelos romances "Beijo na Parede" e "Estela Sem Deus", mas hoje consagrado pelo "O Avesso da Pele".

Quanto às expressões "pega a visão" e "massa", estas estão no linguajar do povo baiano assim como o hábito do uso do dendê e a apreciação de petiscos, como o acarajé.

A primeira tem a ver com um alerta, o mesmo que dizer "abra o olho" ou "presta atenção", ou seja, ficar atento, ligado nos movimentos. No caso de "massa", usa-se em praticamente todas as frases, seja para endossar uma conversa, seja para manifestar um comprimento. Tipo, "e aí, bródi?", o outro diz: "Tudo massa, meu rei".

Fui atrás de outras expressões usadas no dia a dia dos baianos, fiquei "abestado" com tanta "riqueza idiomática", como diria, certamente, aqui nesta Folha o Sérgio Rodrigues.

Mas me vi encantado com o "Eu tô ligado que cê tá ligado na de colé de merma", algo semelhante a "Estou ciente do seu conhecimento a respeito do assunto", ou, ainda, "Bó pro reggae, comer água e ficar de boa!", que se entende por "Vamos para a festa, beber e relaxar!". É igualmente luxuoso de se ouvir o "Aoooooonde! Aí cê me quebra, né bacana!", que tem o sentido de "Jamais, aí você me prejudica, não é meu amigo?".

Gosto muito, sempre gostei, de fraseologias ou de seus sintagmas, sejam nominais, sejam verbais. No caso da Bahia, recomendo a leitura do "Dicionário Baianês", de Nivaldo Lariú —tenho a edição de 1992—, e, mais abrangente, o de João Gomes da Silveira –"Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa".

Enquanto isso, continuo eu por aqui, vendo a turma "bater um baba" –ou jogar futebol. E, pelas esquinas, ouvindo um pouco de tudo, de "crocodilagem" (enganar), "se pique" (saia), "barril" (tenso), "lá ele" (eu não/Deus me livre), "boca de me dê" (pessoa pidona), ao interessantíssimo "é niuma" (deixe estar/vai ter troco/não há problema), "brocou" (mandou muito bem), "bora" (vamos sim), "que migué" (que mentira) e, para finalizar, "pronto" (tudo certo).

É tão importante termos orgulho por nossa terra e nossa cultura. Eu vivencio isso aqui na Bahia, como já vivenciei em países como Angola. Bom, mas agora eu preciso ir, que já "tô bem na larica", quero dizer "estou com fome". Fui!!!

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