Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Primeira almirante negra é exemplo a ser seguido e um feito a ser comemorado

Unidade mais antiga das Forças Armadas só agora promove uma oficial negra para o seu mais alto comando e avanço é sentido

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É recebida como boa notícia da promoção da médica negra Maria Cecília Barbosa da Silva Conceição para o posto de almirante da Marinha brasileira, agora no início do mês. Sem sombra de dúvidas, é um feito a ser comemorado no sentido que, embora com atraso monumental, alguns passos estão sendo dados e avanços estão sendo sentidos no seio da família militar da pátria.

Outro dia comentei aqui neste espaço uma necessária indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal, que seria a primeira em 215 anos de sua história. Partindo desse ponto de vista, tanto a mais antiga unidade das Forças Armadas, no caso a Marinha, quanto a Suprema Corte, até hoje sem histórico de mulheres negras entre seus 11 membros, caminham lentamente para reconhecer a importância da presença da mulher –especialmente da mulher negra– em seus quadros.

A concretização da promoção da militar Maria Cecília Barbosa reconhece tardiamente, mas reconhece, e de certa forma recompensa, todo o esforço de dedicação e luta por igualdade de direitos nos grupos dos oficiais brasileiros.

A bicentenária Marinha do Brasil, a maior da América Latina e a segunda maior do continente americano, com grandes feitos nos embates e defesa da nação, até hoje só nomeou três mulheres entre o seu almirantado, ou seja, a cúpula da Marinha –sendo a médica Maria Cecília Barbosa a única de origem negra, que a partir de agora, como pioneira, irá cumprir este importante e histórico papel.

Maria Cecília Barbosa da Silva Conceição, primeira almirante negra da Marinha
Maria Cecília Barbosa da Silva Conceição, primeira almirante negra da Marinha - Reprodução

Não é difícil imaginar, por todas as suas declarações, o quanto foi desbravador todo o seu percurso, que teve início há 28 anos, como mulher negra, na mesma Marinha que apenas em novembro de 1910 aboliu os castigos corporais na marujada –levante que ficou conhecido como Revolta da Chibata ou Revolta dos Marinheiros—feito empreendido sob a liderança do marinheiro João Cândido (1880-1969).

Além da conquista da promoção, Maria Cecília Barbosa passará a dirigir o Departamento de Saúde e Assistência Social da Secretaria de Pessoal, Saúde, Desporto e Projetos Sociais do Ministério da Defesa.

Ano passado, ela defendeu, no âmbito acadêmico, trabalho importante, a monografia, para conclusão de curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, intitulada "Incorporação de Conscritos Transgêneros Masculinos para Prestação do Serviço Militar Inicial Obrigatório nas Forças Armadas do Brasil".

João Cândido, conhecido como líder da Revolta da Chibata - Creative Commons

É um trabalho esclarecedor e corajoso, que visa discutir "os elementos críticos indispensáveis" ao processo de seleção e incorporação, no alistamento militar obrigatório, dos "jovens transgêneros masculinos", além de analisar "o combate às possíveis práticas de preconceito e discriminação", quanto ao "princípio da igualdade de oportunidades", sob "as concretas capacidades médicas das pessoas transgêneros masculinos ao disposto nas normativas existentes na incorporação destes para a prestação do Serviço Militar Inicial obrigatório nas Forças Armadas do Brasil".

A esta Folha a nova almirante declarou que estava se sentindo "recompensada" e acrescentou que a carreira da Marinha "é cercada de momentos difíceis, momentos bons" e por isso se sente feliz por fazer "parte do grupo de almirantes da Marinha".

As mulheres começaram a ingressar na vida militar da Marinha apenas no início da década de 1980. Desde então somente duas mulheres atingiram o posto de almirante —a também médica Dalva Maria Carvalho Mendes, em 2012, que entrou na Marinha no ano que a Força permitiu o ingresso de mulheres, em 1981. A segunda promoção saiu em 2018, quando foi nomeada a engenheira Luciana Mascarenhas da Costa Marroni.

Não é difícil reconhecer que esse movimento é muito lento e pouco. As mulheres tiveram papel crucial nas situações de guerras e embates bélicos no país, sobretudo na Marinha brasileira, desde tempos imemoriais. Mas é chegada a hora de deixarem de ser um "exército invisível", ou ficarem somente na "retaguarda" e escondidas nas trincheiras.

Elas merecem muito mais. As mulheres negras, sobretudo, desde que o Brasil é o que é, fazem parte desse embuste de manobras ardilosas e escusas, no joguete entre a falta de acesso e de respeito.

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