Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Quem foi João Cândido, que há 112 anos liderou a Revolta da Chibata

Personagem foi protagonista da história brasileira ao organizar uma sublevação contra os castigos físicos na Marinha

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Não é uma data redonda —como se costuma fazer referência às efemérides—, mas, no ano que expira, transcorreram duas datas importantes: os 142 anos do nascimento de João Cândido e os 112 anos da revolta dos marinheiros, liderada pelo gaúcho e militar da Marinha.

A importância de João Cândido é incontestável para a história político-social brasileira. Foi ele que, em novembro de 1910, liderou a sublevação dos marinheiros —mais conhecida como Revolta da Chibata, termo que de certa forma reduz enormemente a amplitude do movimento— em função das 250 chibatadas levadas pelo colega Marcelino Rodrigues Menezes.

O fato, estopim do movimento, levou João Cândido a declarar ao jornal Correio da Manhã: "As carnes de um servidor da pátria só serão cortadas pelas armas dos inimigos, mas nunca pela chibata de seus irmãos. A chibata avilta".

A história de João Cândido Felisberto vem sendo escrita desde o seu nascimento, na fazenda Coxilha Bonita, em Encruzilhada do Sul, no interior do atual estado do Rio Grande do Sul, no ano de 1880, como filho de pais ex-escravizados.

João Cândido - Creative Commons

João Cândido entrou para a Marinha através da Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, aos 13 anos. Dentre as muitas versões contadas sobre o seu ingresso, uma das mais difundidas era de livrar o peso de "mais uma boca" na numerosa filharada dos pais, João e Inácia e, a mais popularizada, o apadrinhamento do vizinho ilustre, o almirante Alexandrino de Alencar, que chegou a ministro da Marinha.

Independentemente dos mecanismos usados para acessar a vida militar, o certo é que João Cândido vai se tornar o principal nome do movimento deflagrado em novembro de 1910. Os motivos eram diversos, mas lideravam a lista os maus-tratos, infligidos pela prática da chibata e baixos soldos. O país ainda lidava com práticas coloniais de se ver sobressaltado, a ponto de logo se ver acuado, diante da revolta dos marinheiros.

Oriundo de uma Marinha da época do Império e da escravidão, com recrutamentos forçados, sobretudo entre jovens e adolescentes, de regiões distantes do país, João Cândido é um elemento que vai passar por várias etapas de crise nas Forças Armadas —aprofundada durante a Guerra do Paraguai e que evolui por diversos outros conflitos, especialmente após a proclamação da República, a partir de 1889.

O marinheiro gaúcho vai se filiar à Marinha exatamente no período das crises institucionais: ele vai viver sempre dentro de conflitos. Nesse meio tempo, sua atividade militar vai passar por altos e baixos, políticos e sociais.

Segundo seu depoimento, nunca sofreu maus-tratos, se referindo à prática de punição pela chibata, contra a qual foi alçado à líder de um movimento que paralisou o país. Comandou uma frota de navios nova e ultramoderna, dirigida com habilidade pelo marinheiro negro, que, nas palavras do político e escritor Gilberto Amado, praticou "parnasianismos de manobras", em plenas águas da baía de Guanabara.

Após liderar a revolta e obter a anistia do governo recém-empossado de Hermes da Fonseca, João Cândido foi traído pelo poder do país, preso, julgado e trancafiado no Hospital Nacional de Alienados, como louco, o mesmo hospital que abrigaria, anos depois, o escritor Lima Barreto, vítima de alcoolismo.

Resistiu a toda sorte de atentados e cancelamentos após ser banido da Marinha como "persona non grata". Sua anistia só foi decretada em 2015, durante o governo Lula e na gestão do ministro Edson Santos.

Mas sobreviveu a tudo e a todos. Viveu parte da vida como simples pescador, na praça 15 de Novembro, até ser redescoberto pelo jornalista Edmar Morel, que o entrevistou e publicou o célebre livro "A Revolta da Chibata".

João Cândido passou o resto da vida, pobre e esquecido, no município de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Morto há 53 anos, em 1969, seu enterro ocorreu em dia de muita chuva e pouca gente, sob a vigilância dos seus principais algozes —os militares da ditadura, que no ano anterior havia baixado o AI-5.

Dois livros lembram os feitos de João Cândido e são bem-vindos. O primeiro deles é "O Adeus do Marujo", de Flávia Bomfim, publicado pela Pallas, e o outro é "João Cândido e os Navegantes Negros - A Revolta da Chibata e a Segunda Abolição", da experiente historiadora Silvia Capanema, que saiu pela premiada editora Malê.

Ambos os livros —sobretudo o de Silvia Capanema— trazem um alívio à memória heroica de um dos maiores protagonistas da história social brasileira, cujo legado hoje é defendido pelo seu filho, o aguerrido Adalberto Cândido, mais conhecido como Candinho.

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